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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte VI 1031<br />

Considerei-me cioso e despreza<strong>do</strong>, ponderei a baixa que tinham <strong>da</strong><strong>do</strong><br />

minhas fugitivas alegrias, reparei na mudável condição de Doroteia e que se<br />

Quintiliano 1114 disse que a varie<strong>da</strong>de era agradável, mas no amor é nociva. Se<br />

escrevia a Doroteia, não aceitava os escritos; se pretendia falar-lhe, não<br />

permitia ocasião de ouvir-me; se procurava vê-la, não aparecia, não sen<strong>do</strong><br />

poderosa a repetição <strong>da</strong>s diligências para vencerem os desvios em que bem<br />

manifestava quanto de minhas finezas esqueci<strong>da</strong> vivia, empenha<strong>da</strong> em outro<br />

querer em que só Hortênsio era lembra<strong>do</strong> e eu com tanto amar aborreci<strong>do</strong>.<br />

Quem dissera que tal ingratidão se disfarçava em tão belo rosto e tanta<br />

mu<strong>da</strong>nça se ocultava em tão rara fermosura? Oh nunca Salviano de Ferrara a<br />

esta ci<strong>da</strong>de viera! Nunca meus olhos a Doroteia viram, para sentir minha alma<br />

tantos pesares e padecer meu coração mágoas tão indizíveis! Desejo esquecê-<br />

la e não o sofre a <strong>do</strong>r, procuro olvidá-la e não o permite a ingratidão, pois ten<strong>do</strong><br />

esta tão presente, também o fica a causa, e quem se lembra <strong>do</strong> agravo mal<br />

pode esquecer-se <strong>do</strong> ofensor. Sofro juntamente ciúmes, ingratidões e<br />

desprezos, e não sei eu que maiores martírios podia investigar a cruel<strong>da</strong>de<br />

para atormentar!<br />

O que nunca foi ama<strong>do</strong> não dá motivos à <strong>do</strong>r quan<strong>do</strong> perdi<strong>do</strong>, pois em<br />

tanto se avalia a per<strong>da</strong>, em quanto se pondera a estimação: julgo a Doroteia<br />

por perdi<strong>da</strong>, depois de tão ama<strong>da</strong>, e é tão excessiva minha pena como foi sem<br />

paralelos meu amor. Remonta-se Doroteia de ver-me, de ouvir-me e de falar-<br />

me; e como ao proibi<strong>do</strong> mais se empenha o desejo, na mesma desculpa<br />

encontro a <strong>do</strong>r e na própria proibição acho o tormento. Com suspeitas<br />

improváveis, disse Terêncio 1115 , e com receios tími<strong>do</strong>s pode viver um amante,<br />

porque o mesmo querer de tu<strong>do</strong> desconfia; porém quan<strong>do</strong> as suspeitas e os<br />

receios chegam a ser ciúmes declara<strong>do</strong>s e ofensas conheci<strong>da</strong>s, ficou sen<strong>do</strong><br />

infausto cadáver o que de antes era amor, não <strong>da</strong>n<strong>do</strong> quartel de vi<strong>da</strong> às finezas<br />

que de antes existiam, porque tu<strong>do</strong> fica morto.<br />

Tenho, amigo Lisar<strong>do</strong>, manifesto meu sentimento, os pesares que me<br />

oprimem, os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s que me atormentam, a impaciência que me desvela, a<br />

<strong>do</strong>r que me combate, e ain<strong>da</strong> de tu<strong>do</strong> disse o menos, deixan<strong>do</strong> em silêncio o<br />

1114 Quint., Lib. 1.<br />

1115 Ter., m And.

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