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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte IV 639<br />

Ao seguinte dia chegaram a Bolonha as novas de ser Aurora apareci<strong>da</strong><br />

e vir com Dom Rodrigo de Tole<strong>do</strong> desposa<strong>da</strong>, com o sucesso <strong>do</strong> atrevi<strong>do</strong><br />

António. De que to<strong>da</strong> Bolonha ficou admira<strong>da</strong>, assim <strong>do</strong> perigo, como <strong>da</strong><br />

ventura. Levou-me as novas à prisão meu amigo Septímio mui alegre, pedin<strong>do</strong>-<br />

me alvíssaras de meu abrevia<strong>do</strong> livramento, como quem ignorava os secretos<br />

de meu coração. E foi maravilha o poder ouvir com vi<strong>da</strong> novas tão ocasiona<strong>da</strong>s<br />

à minha morte.<br />

Dava-se em meu coração uma <strong>do</strong>r tão excessiva na grandeza e tão<br />

intolerável no sofrimento, tão cruel para sentir-se e tão incapaz de declarar-se,<br />

que to<strong>do</strong>s os tormentos juntos me pareciam haverem conspira<strong>do</strong> para<br />

produzirem uma mágoa sem consolação e uma tristeza sem alívio. Aborrecia-<br />

me a vi<strong>da</strong> como enfa<strong>do</strong>nha, não admitia férias minha aflição, o dia me parecia<br />

escura noite pelo triste e a noite eterna na duração pelo que passava<br />

desvela<strong>do</strong>, an<strong>da</strong>va o sono como desterra<strong>do</strong> de meus olhos, o juízo era fiscal de<br />

meus cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s. Abria a <strong>do</strong>r as portas ao coração para romper com lágrimas<br />

nos olhos, que só eles, enterneci<strong>do</strong>s de verem a meu coração tão<br />

excessivamente magoa<strong>do</strong>, lhe <strong>da</strong>vam nas lágrimas esse penoso alívio, quan<strong>do</strong><br />

to<strong>da</strong>s as potências o atormentavam. A memória com as lembranças de minhas<br />

derrota<strong>da</strong>s esperanças, a vontade com a ingratidão que se deu por prémio a<br />

tantas finezas, o discurso em julgar o esta<strong>do</strong> presente em que por Aurora me<br />

via prisioneiro, desluzi<strong>da</strong> a estimação em que de antes era ti<strong>do</strong> e o indecente<br />

com que hoje me via trata<strong>do</strong>. A esperança que só podia ser a âncora firme em<br />

tão cruel tormenta, derrota<strong>da</strong> de to<strong>do</strong> e cabalmente perdi<strong>da</strong>, não deixava lugar<br />

a algum refúgio que sustentar-me pudesse. Pois quan<strong>do</strong> de to<strong>do</strong> se esconde a<br />

esperança, fica sen<strong>do</strong> a aflição mortal e impossível o remédio.<br />

Minha tristeza por to<strong>da</strong>s as partes se descobria, mas a causa só meu<br />

coração a sentia e a calava. E fica sen<strong>do</strong> o requinta<strong>do</strong> <strong>do</strong> tormento, quan<strong>do</strong> o<br />

<strong>da</strong>no se sente e a origem se encobre, pois faltan<strong>do</strong> o desafogo <strong>da</strong> queixa,<br />

sobra a tirania <strong>da</strong> <strong>do</strong>r. Publicar o motivo era arrisca<strong>do</strong>, encobri-lo parecia<br />

impossível, o silêncio mortal e a queixa arrisca<strong>da</strong>, o parecer mu<strong>do</strong> não se<br />

agradecia e o publicar-me queixoso não se aprovava, desapaixonar o coração<br />

era violento remédio, pôr chaves à mágoa para enterrá-la era veneno <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

com o peso <strong>da</strong>s aflições que a oprimiam; e assim nesta suspensão de tantos<br />

pesares, derrota<strong>do</strong> <strong>da</strong>s tempestuosas on<strong>da</strong>s de meus desgostos, me deixava

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