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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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174 Padre Mateus Ribeiro<br />

<strong>do</strong>s ventos: que como enfim é o mar elemento estranho aos homens, trás<br />

consigo proprie<strong>da</strong>des de atormentar com temores, enquanto com rigorosa<br />

morte não castiga humanos atrevimentos. Pouco deviam de considerar os seus<br />

perigos os feníces, a que a origem <strong>da</strong> navegação se atribui, porque, como diz o<br />

Séneca 243 , a maior parte <strong>do</strong>s navegantes ou totalmente ignoram, ou não<br />

discursam o rigor <strong>da</strong>s tempestades futuras à vista <strong>da</strong> bonança e tranquili<strong>da</strong>de<br />

presente. Disfarce <strong>do</strong>s naufrágios se pode chamar com razão a sereni<strong>da</strong>de;<br />

porque se o mar sempre an<strong>da</strong>ra tempestuoso, ninguém navegara, e se sempre<br />

bonançoso estivera, ninguém o temera. Não há monstro mais cruel, ou que em<br />

mais figuras se transforme, <strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se apenas duração em o teatro de cristal<br />

que tão contínuas tragédias representa a breves intervalos de aparente<br />

sereni<strong>da</strong>de.<br />

Assim aflitos <strong>da</strong> temerosa borrasca, desvela<strong>do</strong>s <strong>da</strong> rigorosa e horren<strong>da</strong><br />

tormenta, passámos aquela penosa e triste noite, parecen<strong>do</strong> a nossos desejos<br />

em extremo vagarosa a luz <strong>do</strong> dia; que a um sau<strong>do</strong>so sempre anoitece mais<br />

ce<strong>do</strong> e a um atribula<strong>do</strong> sempre amanhece mais tarde. Rompeu a luz <strong>do</strong> sol à<br />

força de raios as trevas <strong>da</strong> escura noite, mais para manifestar à nossa vista o<br />

perigo, que para mitigar o rigor <strong>da</strong> tormenta que nos ameaçava: não se<br />

descobria terra alguma a que dirigir pudéssemos a derrota, somente se viam as<br />

serras <strong>da</strong>s implacáveis on<strong>da</strong>s que de to<strong>da</strong> parte nos cercavam. Rasgaram-se<br />

as velas com a violência <strong>do</strong>s ventos: a nau obedecia pouco ao leme, mais<br />

caminhan<strong>do</strong> violenta<strong>da</strong> <strong>do</strong>s mares e não governa<strong>da</strong> <strong>da</strong> arte; a agulha obrava<br />

pouco, o piloto acertava menos; que um temor grande (como disse Cícero 244 )<br />

to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s perturba, e ain<strong>da</strong>, como quer Ovídio, to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s<br />

embarga, to<strong>do</strong> o valor suspende. Sen<strong>do</strong> já passa<strong>da</strong> grande parte <strong>do</strong> dia se<br />

descobriu terra, com alegria grande <strong>do</strong>s que a ca<strong>da</strong> instante víamos presente a<br />

morte, e levan<strong>do</strong>-nos a ela mais os desejos e o impulso <strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s <strong>do</strong> que as<br />

velas, que em muitas partes rasga<strong>da</strong>s antes como bandeiras tremulavam, <strong>do</strong><br />

que aos ventos resistiam; não nos sen<strong>do</strong> possível repugnar tanta violência, deu<br />

já quan<strong>do</strong> o sol se punha à costa a derrota<strong>da</strong> nau em Noruega, província<br />

frigidíssima <strong>do</strong> norte, naufrágio em que muitas pessoas miseravelmente<br />

De tranquil, animi.<br />

Cícer., Lib. 5. Epist. 3.

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