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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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466 Padre Mateus Ribeiro<br />

era mais viva a púrpura se a neve, deixan<strong>do</strong> suspensões aos discursos se vivia<br />

a Primavera mais flori<strong>da</strong> no pra<strong>do</strong> ou em seu rosto, quan<strong>do</strong> tantos olhos se<br />

desvelavam para vê-la, estan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os desvelos cifra<strong>do</strong>s em seus olhos,<br />

fugir para não ser vista e fechar as portas ao mun<strong>do</strong> para não ser ama<strong>da</strong>, que<br />

valentia maior de discreta! Que vitória mais insigne <strong>do</strong> desengano! E sen<strong>do</strong> os<br />

triunfos seus, parte <strong>da</strong>s vitórias são vossas, pois a fim de não casar-se,<br />

escolheu o retiro de esconder-se.<br />

Mostrais-vos tão ressenti<strong>do</strong> de não serdes seu esposo: que sentimento<br />

mostraríeis se a perdêsseis depois de sê-lo? Pois vai grande distância entre os<br />

desejos e a posse. São os desejos as asas com que a vontade voa ao que<br />

apetece; são as posses centro em que param os maiores voos. Uma cousa<br />

deseja<strong>da</strong> é só inquietação <strong>da</strong> vontade; mas quan<strong>do</strong> possuí<strong>da</strong> é empenho de<br />

to<strong>da</strong> a natureza que ocupa os senti<strong>do</strong>s, o entendimento e a vontade: os<br />

senti<strong>do</strong>s pelo que vem (a) , o discurso pelo que julga e a vontade pelo que logra.<br />

O que se deseja é ain<strong>da</strong> bem alheio, pois o não possuímos; mas o que se<br />

possui é já bem próprio, pois o logramos, como diz Cícero 452 e ensina<br />

Quintiliano 453 : pois a diferença que há entre uma cousa deseja<strong>da</strong> ou possuí<strong>da</strong>,<br />

há entre a <strong>do</strong>r e sentimento <strong>do</strong> que se perde quan<strong>do</strong> se deseja ou quan<strong>do</strong> se<br />

possui.<br />

Pudera a morte roubar-vos Anar<strong>da</strong> depois de vossa esposa, que não<br />

respeita seu rigor nem ao agraço <strong>do</strong>s anos, nem às auroras <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, nem aos<br />

prelúdios <strong>da</strong> moci<strong>da</strong>de. Ain<strong>da</strong> o Plutarco 454 disse que a quem os deuses<br />

amavam chamavam para si, tiran<strong>do</strong>-os <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> no juvenil <strong>do</strong>s anos; e ain<strong>da</strong><br />

Ausónio disse que a morte mais venturosa era a mais têmpora na vi<strong>da</strong>, assim<br />

como os frutos temporãos são os mais festeja<strong>do</strong>s, e com razão, pois como<br />

to<strong>do</strong>s caminhamos para o fim <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, diz Ovídio, o que mais em breve chega<br />

de maior moléstia se livra. Poden<strong>do</strong> pois a morte levar a Anar<strong>da</strong>, sen<strong>do</strong> vossa<br />

esposa, que sentimentos guardáveis para uma tal per<strong>da</strong>, se tantas lágrimas<br />

(a) Como foi referi<strong>do</strong> nos critérios de edição <strong>do</strong> texto, as formas <strong>da</strong> terceira pessoa <strong>do</strong> plural <strong>do</strong><br />

indicativo de verbos como ter, ver e vir, na época monossilábicas, são transcritas como a<br />

terceira pessoa <strong>do</strong> singular.<br />

452 Cicer., Epist. Familiar.<br />

453 Quintil., Lib. 7.<br />

454 Plutarc, in Oral de consol.

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