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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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236 Padre Mateus Ribeiro<br />

encerra<strong>do</strong> em uma torre, em cujos roche<strong>do</strong>s as on<strong>da</strong>s <strong>do</strong> mar quebravam seus<br />

furores, e exposto à severa justiça <strong>do</strong> vice-rei, em quem competia o valor com<br />

inteireza.<br />

Apenas pois as primeiras vanguar<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s luzes <strong>da</strong> aurora fez equivocar<br />

suspensões entre a noite e o dia, se dia pode chamar-se o que aparece vesti<strong>do</strong><br />

ain<strong>da</strong> <strong>do</strong> mesmo luto <strong>da</strong> noite, quan<strong>do</strong> acudin<strong>do</strong> os cria<strong>do</strong>s que afugentou o<br />

temor e fez esconder o receio à quinta e aos bra<strong>do</strong>s de meu pai, quebran<strong>do</strong><br />

com macha<strong>do</strong>s a porta, porque as chaves tinham leva<strong>do</strong> os mouros para que<br />

ninguém os seguisse, viram a meu lastima<strong>do</strong> pai <strong>da</strong>n<strong>do</strong> gritos entre fontes de<br />

lágrimas, que quan<strong>do</strong> os pesares são tão poderosos e a per<strong>da</strong> tão irreparável<br />

no <strong>da</strong>no não é fraqueza o chorar, pois é tão justa e natural a obrigação <strong>do</strong><br />

sentir. São as lágrimas o fruto <strong>da</strong> tristeza, o tributo que se paga à aflição, a<br />

pensão onerosa que se tributa à mágoa. Chorou César à vista <strong>da</strong> corta<strong>da</strong><br />

cabeça de Pompeu; chorou Cipião à vista <strong>do</strong>s incêndios de Cartago; chorou o<br />

grande Alexandre não só na injusta morte de Clito, mas com extremos na de<br />

seu caro amigo Heféstion; e outros muitos que referir pudera, porque, como diz<br />

Santo Ambrósio, são os olhos anima<strong>do</strong>s poros <strong>do</strong> coração por onde respira a<br />

<strong>do</strong>r. Acompanharam to<strong>do</strong>s a meu pai no sentimento e lágrimas; mas que muito<br />

era que chorassem tal infortúnio os que se tinham cria<strong>do</strong> com Lucin<strong>da</strong> quan<strong>do</strong><br />

ain<strong>da</strong> <strong>do</strong>s mais estranhos foi sua per<strong>da</strong> geralmente senti<strong>da</strong> e particularmente<br />

chora<strong>da</strong>? Acrescentava a pena o verem a minha mãe desmaia<strong>da</strong>, priva<strong>da</strong> <strong>do</strong>s<br />

senti<strong>do</strong>s; nem era maravilha que quem teve senti<strong>do</strong>s para conhecer tal per<strong>da</strong>, a<br />

mágoa grande dela lhe roubasse os senti<strong>do</strong>s. E para que em tu<strong>do</strong> fosse a pena<br />

sem alívio, faltava eu, fora <strong>do</strong> costume de não faltar de casa, que quan<strong>do</strong> a<br />

fortuna fecha as portas à consolação nem deixa postigo aberto ao desafogo.<br />

Eram os juízos que se lançavam vários; mas quem em tanta confusão<br />

poderia discursar ajuiza<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> ninguém tinha livre o juízo para o discurso?<br />

Chegaram as cria<strong>da</strong>s <strong>da</strong> embosca<strong>da</strong> em que as ocultou o pavor <strong>do</strong> cativeiro<br />

naquela infausta noite e só serviram com suas lastimosas lágrimas de<br />

aumentar a pena, se podia acrecentar-se <strong>do</strong>r, que parece tinha chega<strong>do</strong> ao<br />

auge <strong>do</strong> sentir. E como em na<strong>da</strong> meu pai achava nem conselho, nem alívio,<br />

antes tu<strong>do</strong> lhe impossibilitava o remédio, deixan<strong>do</strong> minha mãe ao cui<strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>da</strong>s<br />

cria<strong>da</strong>s, para que lhe assistissem com remédios, man<strong>da</strong>n<strong>do</strong> selar um cavalo<br />

que na ligeireza mais parecia insensível raio que anima<strong>do</strong> bruto, partiu para

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