17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

720 Padre Mateus Ribeiro<br />

Vós, senhor Polinar<strong>do</strong>, pelo que tendes referi<strong>do</strong>, não fostes nem<br />

culpa<strong>do</strong>, nem sabe<strong>do</strong>r <strong>da</strong> lamentável morte <strong>da</strong> duquesa Vitória, que foi<br />

geralmente em to<strong>da</strong> Itália tão senti<strong>da</strong>, nem propriamente fostes culpa<strong>do</strong> na<br />

resistência de Luís Orsino, pois a não aprovastes, antes como a to<strong>do</strong>s tão<br />

arrisca<strong>da</strong> a desviastes e com vivas razões contradissestes. Pois em que<br />

consiste aqui a vileza <strong>da</strong> culpa, para que tanto sintais o abatimento <strong>da</strong> pena?<br />

Quem não degenerou no afrontoso, por que há-de sentir tanto o abatimento de<br />

castiga<strong>do</strong>? Nunca vistes pegar-se casualmente o fogo a uma casa e,<br />

aumentan<strong>do</strong>-se o vigor <strong>da</strong>s vorazes chamas entre as faíscas ardentes que o<br />

incêndio arroja, arderem muitas vezes as casas vizinhas; e sen<strong>do</strong> uma só a<br />

que deu motivo ao incêndio no descui<strong>do</strong>, serem muitas as que padecem a<br />

pena na desgraça? Pois desta sorte a culpa que cometeram os delinquentes,<br />

pela vizinhança <strong>da</strong> companhia vos fez participante <strong>da</strong> pena, sem haverdes<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong> causa ao delinquin<strong>do</strong>. O haverdes-vos retira<strong>do</strong> à casa de Luís Orsino<br />

para vos assegurardes <strong>da</strong> justiça não foi culpa, foi desgraça; pois o prever<br />

antecipa<strong>da</strong>mente o que podia resultar-vos deste infortuna<strong>do</strong> asilo nem é<br />

empenho <strong>da</strong> providência humana descifrar os futuros, nem assunto <strong>do</strong> discurso<br />

poder acautelar tanto de antemão com os remédios. Pois aonde se não dão<br />

aparências <strong>do</strong> <strong>da</strong>no, quem poderá <strong>da</strong>r prevenções ao reparo?<br />

O ser nas empresas mal afronta<strong>do</strong> não é culpa que deslustre, pois nem<br />

sempre patrocina a fortuna o que com acertos se emprende. Só a Lisandro,<br />

capitão <strong>do</strong>s lacedemónios, por venturoso em to<strong>da</strong>s as batalhas que emprendia,<br />

foi a fortuna tão propícia que se dizia dele que a fortuna ganhava praça de<br />

sol<strong>da</strong><strong>do</strong> em segui-lo, porque o acompanhava tão propícia a to<strong>da</strong> a parte que ia<br />

como se seu próprio sol<strong>da</strong><strong>do</strong> estipendiário fosse. Porém nem to<strong>do</strong>s podem ter<br />

a ventura de Lisandro no feliz. Quantos ilustres cavaleiros, sena<strong>do</strong>res e<br />

cônsules romanos padeceram cruéis e afrontosas mortes nas leves prescrições<br />

de Mário, Lúcio Sila, Augusto César, Lépi<strong>do</strong> e Marco António sem haverem<br />

cometi<strong>do</strong> vilezas, nem afrontosos delitos, como refere Apiano Alexandrino, nas<br />

guerras civis de Roma, e nem seus filhos e descendentes ficaram depois<br />

menos estima<strong>do</strong>s? Porque a pena não causa afronta, se não assenta sobre o<br />

afrontoso <strong>da</strong> culpa. Assim, senhor Polinar<strong>do</strong>, uma vez que não chegou a injúria<br />

a culpa, não incorrestes no indecoroso <strong>da</strong> pena.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!