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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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196 Padre Mateus Ribeiro<br />

suavi<strong>da</strong>de de sua voz que na noite antecedente à sua morte, entre as queixas<br />

que <strong>da</strong> fortuna <strong>da</strong>va era a principal que houvesse de morrer tão malogra<strong>do</strong>,<br />

não tão soberano monarca, porém tão insigne cantor. E admira-me considerar<br />

o pouco que a música moderou suas tiranias, sen<strong>do</strong> que Platão e Aristóteles 259<br />

tiveram para si que a música era reforma<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s costumes; opinião que<br />

seguiram Macróbio e Galeno, referin<strong>do</strong> a facili<strong>da</strong>de com que um famoso<br />

músico curava os desordena<strong>do</strong>s apetites e furores de um mancebo pouco<br />

modesto em seus costumes. De Agamemnon contam Ateneu e Homero que<br />

partin<strong>do</strong>-se para a guerra de Tróia deixara em guar<strong>da</strong> <strong>da</strong> casti<strong>da</strong>de de<br />

Clitemnestra, sua esposa, um insigne músico que cantan<strong>do</strong> ao som <strong>da</strong> cítara<br />

os louvores <strong>da</strong> casti<strong>da</strong>de e leal<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s esposas, com a <strong>do</strong>çura <strong>da</strong> voz, com a<br />

suavi<strong>da</strong>de e melodia <strong>do</strong> canto de tal mo<strong>do</strong> conservou nela o amor e fideli<strong>da</strong>de<br />

para com seu esposo que foi necessário a Egistro tirar primeiro ao músico a<br />

vi<strong>da</strong>, [para] que pudesse lograr os amorosos intentos que por Clitemnestra a<br />

tantos excessos o conduziam.<br />

Deixo de referir os maravilhosos efeitos que <strong>da</strong> música de Orfeu referem<br />

os autores e poetas; o certo seja que a suavi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> música é <strong>do</strong>m <strong>do</strong> Céu,<br />

como disse o grande Agostinho, sen<strong>do</strong> suspensão <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s e ain<strong>da</strong> <strong>do</strong>s<br />

mais penosos cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s, ten<strong>do</strong> eficácia natural para mover a brandura aos<br />

corações mais severos, poderosa para aliviar as penas ain<strong>da</strong> aos ânimos mais<br />

aflitos, como em mim se verificou, a quem a melodia <strong>da</strong> voz, a <strong>do</strong>çura <strong>do</strong>s<br />

acentos, a discrição <strong>da</strong> letra e sobretu<strong>do</strong> sen<strong>do</strong> a que cantava mulher,<br />

embargou a jorna<strong>da</strong>, suspendeu os passos, divertiu a ira que na perpétua<br />

memória de meus agravos me acompanhava, procuran<strong>do</strong> de saber quem seria<br />

esta terrestre sereia que tanto meus sentimentos atraía. Apeei-me <strong>do</strong> cavalo<br />

que deixei ata<strong>do</strong> ao tronco de uma árvore e subin<strong>do</strong> pelo fragoso monte,<br />

servin<strong>do</strong>-me de roteiro que seguia os ecos <strong>da</strong> voz, descobri entre a espessura<br />

<strong>do</strong> monte uma moça que como aurora de lágrimas chorava, cantan<strong>do</strong> seus<br />

infortúnios.<br />

Estava pobremente vesti<strong>da</strong>, porém de presença e aspecto tão grave<br />

que, juntamente com sua grande fermosura, ain<strong>da</strong> em esta<strong>do</strong> tão humilde e em<br />

lugar tão indecente a seu decoro, manifestava um espírito nobre e <strong>da</strong>va<br />

Arist., Polit. 8.

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