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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte III 545<br />

liberali<strong>da</strong>de o gasto dele, porque Justiniano e seus companheiros de to<strong>do</strong><br />

an<strong>da</strong>vam desprovi<strong>do</strong>s.<br />

Chegámos enfim a Lucca, depois de alguns dias que no caminho<br />

gastámos, onde fui em casa de Justiniano hospe<strong>da</strong><strong>do</strong> com grande cortesia. Vi<br />

a Diana, que na<strong>da</strong> tinha de feia, suposto que não era fermosa. Era moça na<br />

i<strong>da</strong>de e muito discreta; na música podia ser admiração <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s, porque<br />

era o suave de sua voz <strong>do</strong>ce encanto de quem a ouvia, como eu a ouvi<br />

diversas vezes, sen<strong>do</strong> quanto mais ouvi<strong>da</strong>, mais deseja<strong>da</strong>. Porque o desejo<br />

jamais se satisfazia, antes ca<strong>da</strong> vez que a ouvia, mais de a tornar a ouvir<br />

sequioso se mostrava. Era tão cabalmente discreta que se nela emparelhara a<br />

fermosura com o aviso, pudera ser a maior admiração <strong>da</strong> nossa i<strong>da</strong>de. Lembra-<br />

me que estan<strong>do</strong> Justiniano um dia entre pensativo e triste, porventura<br />

consideran<strong>do</strong> seus infortúnios, que são estes o combate <strong>do</strong> sofrimento e o<br />

desterro total <strong>da</strong>s alegrias, ela, que o viu tão suspenso, decifran<strong>do</strong> a causa que<br />

o divertia, lhe disse desta sorte:<br />

- Bem sei, esposo meu, Justiniano, que de mim procedem vossas<br />

tristezas; e com razão, porque sen<strong>do</strong> pela maior parte as feias venturosas, eu,<br />

com o ser, me considero desgraça<strong>da</strong>. Pouco obriga<strong>da</strong> me vejo <strong>da</strong> ventura mais<br />

que em o bem de alcançar-vos por esposo; e conheço que só nisto me pagou<br />

quanto desejar pudera. Vi-me rica e agora pobre; de naturaliza<strong>da</strong> <strong>da</strong> pátria em<br />

que nasci, vejo a meu pai de tão opulento nos cabe<strong>da</strong>is hoje necessita<strong>do</strong> e em<br />

terra alheia; mas o que só me atormenta é o ver-vos triste. Porque se vos<br />

considerara alegre, na<strong>da</strong> me molestara. É vossa vista o primeiro móvel de<br />

meus senti<strong>do</strong>s que arrebata to<strong>do</strong>s os meus cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s: mal pode descansar<br />

quem vos ama, quan<strong>do</strong> vejo inquieto o bem que mais estimo. Se estais<br />

arrependi<strong>do</strong> <strong>da</strong> escolha que em mim fizestes, deslustre foi de entendi<strong>do</strong> em<br />

fazeres eleição de que vos mostreis pesaroso, que eu desejara ser a mais<br />

fermosa para merecer-vos. Compensai meu amor com minhas faltas e suprirá<br />

os desaires de minha ventura. Confesso que a <strong>do</strong>r de verdes preso a vosso pai<br />

é grande; reparti dela comigo e ser-vos-á mais leve. Os rios cau<strong>da</strong>losos<br />

partin<strong>do</strong>-se em arroios ficam pequenos. Desafogai a <strong>do</strong>r e será menos; não<br />

façais lago dela para ser mais. É o amor ver<strong>da</strong>deiro <strong>do</strong>s bens e <strong>do</strong>s males<br />

contágio que se pega. Vista-se o meu coração <strong>do</strong> luto de vossas tristezas, e<br />

pois com a minha vos não pude aliviar vossa <strong>do</strong>r, ao menos com minhas

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