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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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352 Padre Mateus Ribeiro<br />

lisonjea<strong>da</strong> <strong>da</strong> fama de bem pareci<strong>da</strong>, não porque eu o creia, mas porque tu o<br />

dizes, não lhe será bem avalia<strong>do</strong> que, deixan<strong>do</strong>-me no deserto e sole<strong>da</strong>de<br />

desta quinta, os mais <strong>do</strong>s dias vás a Nápoles e te recolhas a horas que falta<br />

pouco à noite para ausentar-se e menos horas à aurora para mostrar que é dia.<br />

Dizem-me que an<strong>da</strong>s diverti<strong>do</strong> com Rosaura, essa <strong>da</strong>ma cortesã que veio à<br />

corte para distraimento <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s; mal o crera pelo indecente se tantos o<br />

não publicaram pelo escan<strong>da</strong>loso. Que tem em que me exce<strong>da</strong> para divertir-te?<br />

Solicitaste-me amante para me ofenderes mari<strong>do</strong>? Que achas em mim que te<br />

desagrade, quan<strong>do</strong> já fui de teu agra<strong>do</strong> o maior empenho? Ou quan<strong>do</strong> me<br />

elegestes hás-de confessar que estavas cego, ou quan<strong>do</strong> me ofendes hás-de<br />

conceder que és tirano? Deixas a quem te ama, quiçá por assistires a quem te<br />

não merece? Que quem tem os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s tão comuns, não sabe ter amor<br />

particular.<br />

Bem vejo eu, Felisberto, que porque te mereço mais, me estimas menos:<br />

não sei se porque Rosaura te quer menos, por isso te desvelas em querer-lhe<br />

mais? Oh! que grande baixa deram minhas venturas, pois quan<strong>do</strong> me<br />

desvaneci de feliz em ter-te por esposo, hoje me desconheço em ver-te tão<br />

diverti<strong>do</strong>, que me parece que não sou já a que fui, porque te vejo tão mu<strong>da</strong><strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> que de antes eras! Não te contentas de gastares em Nápoles os dias, se<br />

não despenderes lá a maior parte <strong>da</strong>s noites? Para que te molestas em<br />

caminhar apressa<strong>do</strong> a este átomo <strong>da</strong>s sombras por comprimento, quan<strong>do</strong><br />

despendes tantos séculos de luzes por afeição? Agradece-me haver até agora<br />

dissimula<strong>do</strong> estes ciúmes por não te causar penas, que nunca tem desejo de<br />

ofender, quem tão finamente sabe amar.<br />

São os ciúmes em um coração amante quinta essência <strong>do</strong> tormento que<br />

não pode apurar-se mais: verdugos <strong>da</strong> paciência, acidentes frenéticos <strong>da</strong><br />

razão, áspides venenosos que matam entre as flores <strong>do</strong> querer, incêndios que<br />

abrasam sem consumir-se, raios que tiranizam as almas sem ofender os<br />

corpos, harpias com caras humanas e garras de feras e ofensas de ingratos,<br />

que é o maior extremo <strong>do</strong> encarecer. Pois to<strong>da</strong> esta pena tenho sofri<strong>do</strong> sem<br />

publicá-la por que (a) me devesses o padecen<strong>do</strong> tanto, queixar-me tão pouco;<br />

mas quan<strong>do</strong> vejo que, por te verem an<strong>da</strong>r diverti<strong>do</strong>, haja quem se atreva a<br />

Forma pouco usa<strong>da</strong> equivalente a para que.

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