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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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886 Padre Mateus Ribeiro<br />

Ouviu com atenção Valério as senti<strong>da</strong>s queixas de seu amigo, pesou-lhe<br />

de o ter tão magoa<strong>do</strong>, que assenta mal o alívio sobre as bases <strong>da</strong> mais intensa<br />

<strong>do</strong>r, e enquanto esta não aplaca, mal a consolação se aceita. Considerou um<br />

intervalo o meio que acharia para serem suas persuasões bem ouvi<strong>da</strong>s e foi<br />

pôr-se no princípio <strong>da</strong> parte <strong>do</strong> sentimento de Silvério, mostran<strong>do</strong> o quanto<br />

participava de sua pena, pois, como diz o padre S. Gregório 846 , é grande alívio<br />

para quem pena, o ver que participa quem lhe assiste <strong>da</strong> ânsia de seus<br />

pesares; porque não há eloquência mais eficaz para persuadir <strong>do</strong> que ver sócio<br />

em sua própria mágoa quem trata de lha evitar. E depois lhe falou assi:<br />

- Com ser, amigo Valério, tão ocasiona<strong>da</strong> vossa pena ao desgosto em<br />

que vos vejo, se por outra parte a considero menos tem de onerosa para<br />

divertir-se. O sol com as distâncias no próprio tempo que para uns a par<strong>da</strong><br />

cortina de seu eclipse em um horizonte o mostra tenebroso, em outro o mostra<br />

radiante. A estrela de Vénus umas vezes se adianta ao sol e outras o segue, e<br />

a quem um tempo foi matutino esplen<strong>do</strong>r e vanguar<strong>da</strong> (a) brilhante de suas<br />

luzes, outras vezes é retroguar<strong>da</strong> de seu carro, umas vezes anuncian<strong>do</strong> o sol e<br />

outras a noite. Não estão as cousas sempre no mesmo esta<strong>do</strong>, variam-se com<br />

o tempo, mu<strong>da</strong>m-se com os dias, divertem-se <strong>do</strong> que eram com as ocasiões.<br />

Queixais-vos que se mu<strong>do</strong>u Florisela? Para mulher durou muito e para<br />

amante durou pouco. Já Virgílio e Propércio censura<strong>do</strong> tinham sua mu<strong>da</strong>nça e<br />

sua inconstância nativa. E como em Florisela era o mudável natural e o amor<br />

acidente, que admiração fica sen<strong>do</strong> que fosse mais poderoso o natural para a<br />

mu<strong>da</strong>nça <strong>do</strong> que o amor para a firmeza? Tem o tempo seu tribunal em que se<br />

apuram as cousas que o entendimento julga, e nele se reprova o que parecia<br />

firme e se condena o que se julgava seguro. Das constantes os exemplos são<br />

numera<strong>do</strong>s, porém os <strong>da</strong>s mudáveis não tem número. Uma Lucrécia houve que<br />

derramou o sangue, uma Pórcia que se matou comen<strong>do</strong> vivas brasas, uma<br />

Cornélia que rejeitou ser rainha <strong>do</strong> Egipto. Porém <strong>da</strong>s que se mu<strong>da</strong>ram com o<br />

tempo, to<strong>do</strong> o tempo seria pouco para referi-las; e quan<strong>do</strong> Florisela não<br />

mu<strong>da</strong>sse a vontade que vos tinha, mas por obedecer a sua mãe, irmão e<br />

parentes com Feliciano se casasse, não vos fez agravo, quan<strong>do</strong> as<br />

' S. Greg., 4. Mor.<br />

Na edição de 1734 lê-se vanglória.

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