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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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680 Padre Mateus Ribeiro<br />

falavam respondia, mostran<strong>do</strong> estar tão incapaz de alívio como vivo só para o<br />

sentimento. Era o Ermitão de sua própria condição compassivo e prudente, e<br />

assim lhe pediu quisesse vir em sua companhia para o hospital aonde<br />

estavam, pois era o hospício próprio <strong>do</strong>s peregrinos e forasteiros, aonde<br />

poderia descansar e <strong>da</strong>r tréguas à pena que tanto o afligia. Aceitou a oferta o<br />

desconsola<strong>do</strong> mancebo; e assim se saíram <strong>da</strong> igreja para o hospital, aonde <strong>do</strong>s<br />

três foi agasalha<strong>do</strong> com grande cari<strong>da</strong>de, fazen<strong>do</strong>-o comer <strong>do</strong> que para o jantar<br />

prepara<strong>do</strong> tinham. E depois lhe disse Felisberto desta sorte:<br />

- Quisera, senhor, perguntar-vos a causa <strong>da</strong> excessiva pena que vos<br />

aflige, e não me atrevo, porque sei que quan<strong>do</strong> <strong>do</strong>mina a <strong>do</strong>r ao coração que a<br />

padece, suspende as palavras para declarar-se e a linguagem para poder<br />

dizer-se. Lembra-me que o insigne poeta Sófocles Ateniense disse que os<br />

muito aflitos <strong>da</strong> <strong>do</strong>r e combati<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s adversi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> fortuna não só parecem<br />

sur<strong>do</strong>s ao que ouvem, mas juntamente cegos ao que vem. Donde infiro que<br />

com maior razão se podem chamar mu<strong>do</strong>s: pois se a eficácia <strong>da</strong> <strong>do</strong>r embarga<br />

os senti<strong>do</strong>s mais livres, como não embargará os órgãos <strong>da</strong> voz, ten<strong>do</strong>-os<br />

presos? Faz o costume de padecer hábito <strong>do</strong>s próprios males; e com serem tão<br />

violentos ao gosto, o costume de padecê-los os faz toleráveis ao sofrimento,<br />

sen<strong>do</strong>, como diz Euripides, uma como repeti<strong>da</strong> violência que se faz à natureza,<br />

rompen<strong>do</strong> pela inclinação a bateria incessável <strong>do</strong> costume, perden<strong>do</strong>-se o<br />

temor à vontade e os assombros <strong>do</strong> espanto ao rigor. Digo isto, senhor, porque<br />

se no princípio de vossos infortúnios mostrásseis tão viva a ro<strong>da</strong> de vosso<br />

sentimento, como hoje vemos, nem vossas lágrimas seriam motivos de<br />

admiração, pois nas tironices <strong>do</strong> mal traziam a desculpa <strong>do</strong> insólito <strong>da</strong><br />

passibili<strong>da</strong>de dele, nem seria maravilha que a força <strong>da</strong> <strong>do</strong>r não admitisse os<br />

alívios. Porém hoje, que pelo que podemos inferir estais reduzi<strong>do</strong> à vossa<br />

liber<strong>da</strong>de e livre <strong>do</strong> estron<strong>do</strong>so ruí<strong>do</strong> <strong>do</strong>s grilhões e cadeias com que vos vistes<br />

preso, como em lugar <strong>da</strong>s alegrias repetis tão intensas as tristezas? Parece<br />

que é mu<strong>da</strong>r os termos continuar o aflito, haven<strong>do</strong>-se de ostentar o alegre.<br />

Assim falou Felisberto, a quem o força<strong>do</strong> respondeu:<br />

- Confesso, senhores, que no magoa<strong>do</strong> de meu peito tem justo motivo<br />

vossa admiração, parecen<strong>do</strong> imprópria ao esta<strong>do</strong> presente a grandeza de<br />

minha tristeza. Porém se bem se conhecer a causa que me move a parecer<br />

excessivo na pena que sinto e se manifestar a causa de minha ânsia, julgareis

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