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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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788 Padre Mateus Ribeiro<br />

alguma cousa comesse. São os manjares, diz Plutarco , remédio contra os<br />

desmaios <strong>da</strong> fome e alimento para a conservação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Assi disse<br />

Séneca 688 que procurar esquisitas iguarias era delírio <strong>da</strong> vai<strong>da</strong>de e deixar as<br />

que são bastantes para alimentar a vi<strong>da</strong> era inconsideração <strong>da</strong> nece<strong>da</strong>de.<br />

Enfim, mais por fazer-me a vontade que porque sua pena o sustento pedisse,<br />

comeu Lívia alguma cousa, servin<strong>do</strong>-lhe de bebi<strong>da</strong> as lágrimas que derramava.<br />

Admira<strong>da</strong>s estavam as lavra<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> casal de verem em Lívia tão rara a<br />

fermosura e a tristeza tão viva: porque sen<strong>do</strong> tão encontra<strong>da</strong>s a beleza com a<br />

<strong>do</strong>r e a gentileza com a mágoa no coração, parecia maravilha que seus olhos<br />

choran<strong>do</strong> não perdessem a graça e olhan<strong>do</strong> tão alegres não perdessem a cor.<br />

Porém como ignoravam quem ela era e juntamente a origem <strong>do</strong>nde procedia<br />

seu sentimento, consolavam-na sem saber de quê e talvez a acompanhavam<br />

nas lágrimas sem terem mais motivo de chorarem que verem que de Lívia os<br />

olhos as vertiam.<br />

Discursei sobre o mo<strong>do</strong> com que devia prosseguir esta jorna<strong>da</strong> com<br />

maior acerto, e me pareceu que Lívia de traje mu<strong>da</strong>sse para melhor encobrir-<br />

se: comuniquei-lhe o parecer e o julgou conveniente. Pediu-se um às<br />

lavra<strong>do</strong>ras a troco <strong>do</strong> que Lívia trazia, e facilmente vieram no concerto, porque<br />

nele interessavam: porque os de Lívia eram custosos e os seus montanheses.<br />

Vestiu-se Lívia de campo, mas que muito, se era flor? Trajou-se de<br />

montanhesa e pareceu cortesã, que não consiste a gala no vesti<strong>do</strong>, mas no<br />

<strong>do</strong>naire e brio de quem o veste. Pouco importava mu<strong>da</strong>r o traje para<br />

desconhecer-se quem se não despojava <strong>da</strong> fermosura para mu<strong>da</strong>r-se; porque<br />

havia de <strong>da</strong>r cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s aos pastores quem tinha com seus olhos ocasiona<strong>do</strong><br />

tantos desvelos aos cortesãos? Encontrava-se o rosto com o vesti<strong>do</strong> e desdizia<br />

o tosco <strong>da</strong> beleza, como se dissera, ca<strong>da</strong> qual, não condiz o grosseiro com o<br />

alinha<strong>do</strong>, nem emparelha o brioso com o aldeão; e em tão discreta<br />

competência posso dizer que a ci<strong>da</strong>de se queixava <strong>do</strong> que em Lívia perdia e o<br />

monte se gloriava <strong>do</strong> que em Lívia lograva: porque a ci<strong>da</strong>de, em perdê-la,<br />

muito perdia e o monte, em possuí-la, tu<strong>do</strong> ganhava. Disfarçava-se Aquiles em<br />

traje de mulher para se escusar de ir à guerra de Tróia; porém se pôde<br />

Plut., in Conv. cap. 7.

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