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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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660 Padre Mateus Ribeiro<br />

queria, quis um dia aliviar o penoso com me <strong>da</strong>r notícia de sua tristeza,<br />

consultan<strong>do</strong> meu parecer, e assim me disse:<br />

- Confio tanto, Hortênsio, de teu juízo, pelo que em algumas ocasiões<br />

tenho experimenta<strong>do</strong> o acerta<strong>do</strong> de teu discurso, que nesta ocasião em que me<br />

vejo, quero consultar teu parecer no remédio que me dás. O supremo vizir<br />

Sinão, em cujos ombros sustenta o grão senhor Amurathes, como em novo<br />

Alcides, a máquina poderosa de seu império, me tem por vezes pedi<strong>do</strong> com<br />

instância que case a Zelin<strong>da</strong>, minha filha, com Sultão Ali, filho de Hebraim,<br />

baxá que foi <strong>do</strong> grão Cairo: casamento que lhe não desconvém pela muita<br />

riqueza e valor <strong>do</strong> esposo, além de ser avalia<strong>do</strong> por mui cabal no juízo e<br />

discrição de que o <strong>do</strong>tou a natureza. Porém mostra-se Zelin<strong>da</strong> tão inexorável a<br />

meus rogos e tão contrária a meu desejo que me vejo confuso na<br />

determinação: toma escu<strong>do</strong> de cristal a corrente <strong>da</strong>s lágrimas de seus olhos,<br />

para rebater os incêndios de meu furor, quan<strong>do</strong> mais me apaixono em<br />

persuadi-la, sen<strong>do</strong> a imuni<strong>da</strong>de de seus olhos de mim respeita<strong>da</strong> e dela bem<br />

conheci<strong>da</strong>. Desistir de importuná-la é malquistar-me com Sinão, de quem hoje<br />

tu<strong>do</strong> pende; e ódios de vali<strong>do</strong>s são como contágios, que começan<strong>do</strong> em um,<br />

arruínam a muitos. Que a pedra quan<strong>do</strong> cai <strong>do</strong> mais alto, maior golpe executa,<br />

<strong>da</strong> sorte que o raio por baixar de tanta eminência a muitos mata e a to<strong>do</strong>s<br />

assombra. Ameaços de um pai nunca são temi<strong>do</strong>s, que o amor paternal é carta<br />

de seguro contra os rigores; e assim não sei que conselho siga nesta confusão<br />

em que me vejo, pois de uma parte me aperta o vali<strong>do</strong> e <strong>da</strong> outra me resiste<br />

Zelin<strong>da</strong>. Que me aconselhas, Hortênsio, que nisto faça? Que eu confesso que<br />

meu juízo não sabe resolver a saí<strong>da</strong> deste golfo proceloso em que navega meu<br />

discurso.<br />

Calou Zulema, e eu, depois de com humilde inclinação lhe render as<br />

graças <strong>do</strong> favor que me fazia em confiar de meu limita<strong>do</strong> talento o conselho em<br />

matérias de seu alívio, em que eu desejara acertar a remediar suas tristezas,<br />

lhe disse assim:<br />

- É, senhor, a vontade humana tão independente em seu querer e tão<br />

livre senhora de seu gosto que o mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong> não tem valor para violentá-la;<br />

porque como suas deliberações essencialmente hão-de ser livres, nunca<br />

admitem o serem violenta<strong>da</strong>s. Dão-se Zulema, em Zelin<strong>da</strong>, tua filha, grandes<br />

motivos para não obedecer-te neste casamento de que lhe tratas. O primeiro,

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