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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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800 Padre Mateus Ribeiro<br />

fugisse desalenta<strong>da</strong>, suposto que estivesse inocente? Além disto, neste <strong>caso</strong><br />

não se foge só à morte, mas ao labéu e descrédito dela, que é o mais<br />

intolerável para a inocência. Não temeu a casta Lucrécia o punhal na mão <strong>do</strong><br />

libidinoso Tarquínio, pois com outro ela própria rasgan<strong>do</strong> o casto peito se tirou<br />

a vi<strong>da</strong>, porém receou a infâmia <strong>do</strong> testemunho com que ele a ameaçou, que lhe<br />

<strong>da</strong>ria a morte para desacreditar sua honesta vi<strong>da</strong>; e sentiu mais os ameaços de<br />

a terem por adúltera <strong>do</strong> que <strong>do</strong>s rigores de perder a vi<strong>da</strong>, porque em ânimos<br />

ilustres pesa mais a fama <strong>do</strong> que a morte. Dito foi <strong>do</strong> sábio Quílon<br />

Lacedemónio que sustentar a paciência nos agravos que escurecem a honra<br />

era o empenho mais difícil de executar-se. E como vossa vingança (quan<strong>do</strong> ao<br />

mun<strong>do</strong> pudesse parecer justa) havia de ser com tanto desluzimento <strong>da</strong> fama de<br />

vossa esposa, morren<strong>do</strong> sem poder manifestar sua inocência, que maravilha<br />

fica sen<strong>do</strong> que ansia<strong>da</strong> se ausentasse, combati<strong>da</strong> de <strong>do</strong>us tão rigorosos<br />

assaltos, quais eram a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> honra e a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>? Não há no mun<strong>do</strong><br />

cousa tão forte que possa viver isenta de um perigo: o ferro se gasta <strong>da</strong><br />

humi<strong>da</strong>de, os roche<strong>do</strong>s com os terremotos se arruínam, os rios ficam em areias<br />

com a secura, as nuvens se derretem com os ventos, as neves se derretem<br />

com o sol e a honra pode eclipsar-se ou com a calúnia de uma língua, ou com<br />

uma suspeita mal fun<strong>da</strong><strong>da</strong>. Pois quan<strong>do</strong> se não concede lugar para uma honra<br />

acrisola<strong>da</strong>, que novi<strong>da</strong>de fica sen<strong>do</strong> que o retiro procure tempo para poder<br />

ouvir-se e que a fugi<strong>da</strong> peça esferas para poder livrar-se?<br />

Que culpa tem nos delitos alheios quem lhes não dá causa? Que culpa<br />

na pretensão indecente quem a não admite? Que delito comete nos devaneios<br />

de outro quem os não aprova? Que gravame tem o objecto nos delírios <strong>do</strong><br />

pensamento? Porventura não se há-de ouvir a razão, não se há-de admitir a<br />

desculpa? Intentáveis, senhor Roberto, tirar a vi<strong>da</strong> a vossa esposa e<br />

juntamente o crédito de seu bom procedimento com imaginações de ofendi<strong>do</strong>,<br />

sem ela haver delinqui<strong>do</strong> em vossa ofensa. Assi se tira uma vi<strong>da</strong>? Assi se<br />

mancha uma fama? Assi se eclipsa uma honra, sen<strong>do</strong> esta, como lhe chama o<br />

filósofo 710 , o prémio que se dá à virtude? Pretendíeis cortar de um golpe os<br />

<strong>do</strong>us pólos <strong>do</strong> que mais se estima, quais são a honra e a vi<strong>da</strong>. E agora culpais<br />

a vossa esposa porque fugiu como mulher e porque se ausentou como<br />

0 Ar., Eth. 4.

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