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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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38 A novela portuguesa no século XVII:<br />

<strong>da</strong> visão entre os senti<strong>do</strong>s e, em menor escala, a importância <strong>da</strong> audição,<br />

concretiza<strong>da</strong> nas esporádicas alusões ao prazer provoca<strong>do</strong> pela voz feminina<br />

ou pela música 55 .<br />

Curiosamente, num contexto distinto, e porque as lições ministra<strong>da</strong>s são<br />

de varia<strong>da</strong> ín<strong>do</strong>le, o narra<strong>do</strong>r alerta para o perigo de que se pode revestir a<br />

música quan<strong>do</strong> utiliza<strong>da</strong> de forma desadequa<strong>da</strong>:<br />

"Isto de <strong>da</strong>r músicas de noite é um desacerto que o mun<strong>do</strong> intitula serviço e fineza de<br />

quem ama erra<strong>da</strong>mente; porque não serve de mais que de romper o nome ao segre<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

sujeito a quem se dá, pôr em risco ao amante e <strong>da</strong>r que murmurar aos vizinhos, queren<strong>do</strong> ca<strong>da</strong><br />

qual investigar com os discursos aonde se dirige a harmonia e talvez culpan<strong>do</strong> a quem vive<br />

inocente.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> em vista a sua dimensão moralizante assente nos<br />

valores cortesãos e na ideologia cristã, nesta obra apenas se vislumbra uma<br />

sensuali<strong>da</strong>de muito conti<strong>da</strong>: no que concerne ao corpo feminino, conforme se<br />

observa nos numerosos retratos <strong>da</strong>s formosas <strong>do</strong>nzelas, encontramos apenas<br />

a enumeração de lugares-comuns que se prendem sobretu<strong>do</strong> com o rosto; por<br />

outro la<strong>do</strong>, a entrega <strong>da</strong> <strong>do</strong>nzela ao jovem mancebo é sempre referi<strong>da</strong> de<br />

forma parcimoniosa - efeito também <strong>do</strong> decoro característico <strong>do</strong> género.<br />

O reduzi<strong>do</strong> sensualismo presente no Alívio de tristes provém ain<strong>da</strong> de<br />

uma insistente codificação <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des morais que norteiam o<br />

comportamento <strong>da</strong>s protagonistas <strong>da</strong> maior parte destas narrativas. A<br />

preocupação com o recato, o pu<strong>do</strong>r e a defesa <strong>da</strong> honra <strong>da</strong>s <strong>do</strong>nzelas assume-<br />

se como um aspecto fun<strong>da</strong>mental para os seus familiares, normalmente na<br />

figura <strong>do</strong> irmão mais velho, mas também emerge nos comentários <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r.<br />

demos crédito, senão porque nos dão deleite." Nova Floresta, Tomo I, Título IV, Lisboa, por<br />

Valentim <strong>da</strong> Costa Deslandes, 1706, p.271.<br />

55 É o <strong>caso</strong> de Justiniano que se apaixona por Diana, <strong>da</strong>ma que "de muitos era pertendi<strong>da</strong> pela<br />

voz e não se resolvia a tomar esta<strong>do</strong> de casa<strong>da</strong>, por ser feia", ao ouvir "cantar uma voz de<br />

mulher com tão suave harmonia, ao som de uma harpa que tocava, que parámos a ouvi-la; e<br />

se o amor costuma a entrar ao coração pelos olhos, posso dizer com razão que entrou no meu<br />

pelos ouvi<strong>do</strong>s. É a música de si amável, que ain<strong>da</strong> nos brutos irracionais costuma ser poderosa<br />

para demover e atrair os senti<strong>do</strong>s." Mateus RIBEIRO, Alivio de tristes e consolação de<br />

queixosos, Parte III, pp.535-6.<br />

56 Mateus RIBEIRO, Alivio de tristes e consolação de queixosos, Parte IV, pp.699-700.

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