17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

1042 Padre Mateus Ribeiro<br />

para a vitória <strong>do</strong> que em saber uma retira<strong>da</strong> segura quan<strong>do</strong> a ocasião o<br />

persuade para declinar o perigo; porque, como diz Plutarco 1144 , o bom capitão<br />

há-de ter os olhos não somente no rosto, mas também nas costas. No rosto<br />

para ver as ocasiões de acometer, mas também para se saber retirar.<br />

A vós, Bonifácio, se vos faltou a ventura no emprender, não vos falta o<br />

juízo para vos saberdes retirar. Confessais que Doroteia pelo afectuoso<br />

divertimento de Hortênsio e mu<strong>da</strong>nça de cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s não vos convém para<br />

esposa, pois indiscrição seria o padecer pelo que não haveis de possuir.<br />

Desvele-se quem há-de ser seu esposo, que grande ignorância seria sentir<br />

desgostos por pren<strong>da</strong>s alheias. Qualquer homem, diz Cícero 1145 , pode errar,<br />

mas perseverar no erro cometi<strong>do</strong> é desaire de néscios: porque o primeiro erro<br />

pode ter a desculpa em enganar-se, mas a perseverança depois <strong>do</strong> engano<br />

manifesto é fazer <strong>do</strong> erro porfia e ficar sen<strong>do</strong> antípo<strong>da</strong> <strong>do</strong>s discretos e<br />

descrédito <strong>da</strong> bon<strong>da</strong>de <strong>do</strong> juízo em querer insistir no que a razão está<br />

reprovan<strong>do</strong>. Nunca o engano chega a ser velho, porque no melhor o atalha o<br />

tempo com o descobrir: ain<strong>da</strong> de Doroteia alcançastes o desengano a tempo<br />

para saberdes fazer <strong>do</strong> mesmo tempo desengano; e suposto que este seja<br />

bebi<strong>da</strong> pouco gostosa no desejo, é salutífera ao coração enfermo de mágoas e<br />

opila<strong>do</strong> de ingratidões. O que na cozinha tempera as iguarias, diz<br />

Aristóteles 1146 , deseja fazê-las as mais agradáveis ao gosto; mas o médico<br />

aplica o manjar ao gosto desabri<strong>do</strong>, porém à saúde proveitoso. Assim eu na<br />

ocasião presente vos aconselho como amigo não o delicioso rnas o útil; não o<br />

agradável, mas o decoroso; não o aceito ao desejo, mas o côngruo ao<br />

desempenho <strong>do</strong> pun<strong>do</strong>nor; não o solicita<strong>do</strong> <strong>do</strong> desvelo, mas o lenitivo <strong>da</strong><br />

mágoa; e finalmente o que convém para riscardes <strong>da</strong> memória a Doroteia com<br />

a tinta de sua odiosa ingratidão, que é o pincel mais certo para riscar memórias<br />

a não mereci<strong>da</strong> ingratidão aos serviços.<br />

Ouviu-me Bonifácio com atenção o conselho que lhe <strong>da</strong>va e conheceu<br />

que de seus pesares consistia o remédio na ausência. Rendeu-me as graças<br />

<strong>do</strong> conselho e se deliberou a mu<strong>da</strong>r os ares para mu<strong>da</strong>r de penas, preparan<strong>do</strong>-<br />

Plut., in Apoph.<br />

Cicer., Phil. 2.<br />

Arist., Metaph. 5.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!