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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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244 Padre Mateus Ribeiro<br />

fora de sua esfera não pode a bonança em alheio <strong>do</strong>micílio; assim como<br />

violenta<strong>da</strong>s as lágrimas em vale de tristezas na<strong>da</strong> tem de seguras e muito de<br />

inquietas.<br />

Deixemos Anastácia na suspensão que digo, entre os horizontes de<br />

triste e de alegre, se podem viver juntos <strong>do</strong>us contrários em distância tão<br />

breve, e tratarei <strong>do</strong> que nós passámos na prisão <strong>do</strong> castelo de que era<br />

governa<strong>do</strong>r um Filipe Ortis de Aven<strong>da</strong>nho, nobre espanhol e experimenta<strong>do</strong><br />

sol<strong>da</strong><strong>do</strong>, que casa<strong>do</strong> em Nápoles com uma senhora bem <strong>do</strong>ta<strong>da</strong> tinha dela<br />

uma filha que se chamava Eugenia, que a ser na i<strong>da</strong>de antiga pudera ser<br />

celebra<strong>da</strong> por admiração de fermosura mais que as Helenas e Cleópatras que<br />

deram motivo aos aplausos com que historia<strong>do</strong>res e poetas fizeram assunto<br />

<strong>do</strong>s encarecimentos, se bastantes encarecimentos pudera haver para tal<br />

assunto. Competia Eugenia consigo mesma, porque só ela era poderosa para<br />

emparelhar consigo, e pudera, anima<strong>do</strong> Narciso, desvanecer-se por única se<br />

no espelho por prodígio se retratara; mas nem o fino <strong>do</strong> cristal era capaz de<br />

debuxá-la sem ficar abati<strong>do</strong>, nem flor alguma era idónea para transformá-la em<br />

si sem ofendê-la. Parece se esmerou a natureza em fazê-la um extremo de<br />

beleza para ser queri<strong>da</strong> e a fortuna um extremo de amante para ser malogra<strong>da</strong>;<br />

competiam extremos com extremos e como estes são mimos <strong>da</strong> natureza e<br />

sempre são desfavoreci<strong>do</strong>s <strong>da</strong> ventura. Abater o soberano é ocasionar o<br />

desprezo, inclinar a altiveza, é perder os privilégios de singular; que o que<br />

granjeia respeitos por esquisito vem a perder to<strong>da</strong> a estimação por vulgar.<br />

Quem nasce só para ser ama<strong>da</strong> não ame, que em tanto conservará os<br />

aplausos de queri<strong>da</strong> enquanto não humilhar a bizarria de retira<strong>da</strong>. Presume um<br />

coração rendi<strong>do</strong> que é invencível o valor de quem a vence e venera com<br />

respeitos de querer-lhe mais a quem sempre presume de pagar-lhe menos. É<br />

razão de esta<strong>do</strong> <strong>da</strong> fermosura o ser ingrata, que se a ingratidão em outros é<br />

vício, na beleza é conservação.<br />

As obras que se fazem força<strong>da</strong>s <strong>do</strong> interesse próprio não podem fazer<br />

obrigação, nem tem valor de dívi<strong>da</strong>s para esperarem satisfação, e como nos<br />

desvelos de amar ao portentoso <strong>da</strong> fermosura obra o amante (se bem livre na<br />

vontade) como violenta<strong>do</strong> <strong>do</strong> desejo ou suborna<strong>do</strong> <strong>da</strong> pertensão, não merece<br />

título de ingrata quem nem lhe pede os serviços, nem lhe admite os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s.<br />

Que a ame, a fermosura o pede, que a sirva, seu desejo o obriga, que a

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