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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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36 A novela portuguesa no século XVII:<br />

rebuça<strong>do</strong>s com o escuro <strong>da</strong> cor não errarem o tiro, que se ao claro talvez se escu<strong>da</strong>m os<br />

golpes, no escuro ninguém se acautela <strong>da</strong>s feri<strong>da</strong>s. Era a boca alcaide de rubi que em cárcere<br />

breve aprisionava muitos diamantes, não poderosa só quan<strong>do</strong> falava, mas igualmente<br />

poderosa se se ria, porque ou falan<strong>do</strong> de veras ou de burlas era o triunfo <strong>do</strong>s corações e o<br />

encanto amoroso <strong>da</strong>s vontades. Era sua fermosura arrisca<strong>da</strong> para vista e ingrata para ama<strong>da</strong>:<br />

que sempre a ingratidão se põe <strong>da</strong> parte <strong>da</strong> beleza, avalian<strong>do</strong> o rendimento por dívi<strong>da</strong> e as<br />

finezas por tributo. Era finalmente Jacinta o assunto <strong>da</strong>s maravilhas <strong>da</strong> corte pelo belo e o<br />

objecto <strong>do</strong>s sentimentos pelo ingrato." 5 ^<br />

No início de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s narrativas inseri<strong>da</strong>s no Alívio de tristes, o<br />

narra<strong>do</strong>r, na maior parte <strong>da</strong>s vezes vítima <strong>da</strong> esquivança feminina, começa por<br />

tentar debuxar a peregrina beleza <strong>da</strong> <strong>do</strong>nzela por quem se apaixonou logo na<br />

primeira visão: avista<strong>da</strong> normalmente numa <strong>da</strong>s janelas <strong>da</strong> casa que cai sobre<br />

o agradável jardim, recrean<strong>do</strong>-se despreveni<strong>da</strong> junto de uma fresca fonte<br />

quan<strong>do</strong> o mancebo se diverte no exercício <strong>da</strong> caça ou, mais raramente, quan<strong>do</strong><br />

acompanha a sua mãe para ouvir missa.<br />

Além <strong>da</strong> artificiali<strong>da</strong>de de muitos <strong>do</strong>s encontros <strong>do</strong>s intervenientes nas<br />

diversas histórias narra<strong>da</strong>s, a belezas <strong>da</strong>s figuras femininas revela-se<br />

inteiramente convencional, investin<strong>do</strong> o narra<strong>do</strong>r num retórico acumular de<br />

enumerações <strong>da</strong>s suas quali<strong>da</strong>des, de numerosas metáforas florais,<br />

comparações com as pedras preciosas e os astros, copiosas antíteses e jogos<br />

de palavras que aproveitam o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu nome.<br />

Esta composição <strong>do</strong> retrato feminino, marca<strong>da</strong>mente petrarquista 52 ,<br />

admite pequenas variantes, pois que, num episódio que evidencia a<br />

Mateus RIBEIRO, Alivio de tristes e consolação de queixosos,Parte III, p.523.<br />

52 Retrato de matriz petrarquista presente, de resto, em numerosos textos <strong>da</strong> nossa literatura.<br />

Veja-se, entre outros exemplos, os encarecimentos <strong>da</strong> beleza <strong>da</strong> Peregrina, personagem <strong>da</strong><br />

história narra<strong>da</strong> por D. Júlio, no "Diálogo V - Dos encarecimentos", de Corte na aldeia (1619),<br />

de Rodrigues Lobo. Estas descrições <strong>da</strong> beleza feminina, assentes em hipérboles,<br />

comparações e metáforas que se socorrem <strong>do</strong>s astros, <strong>do</strong> zodíaco ou <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s<br />

pedras preciosas, levam o Doutor a sentenciar que "em matérias de amor tu<strong>do</strong> o que reluz é<br />

ouro e tu<strong>do</strong> e tu<strong>do</strong> o que assombra é sol" e Solino, crítico destes excessos de linguagem,<br />

refere que "os amantes para encarecer, se não contentam tão pouco, to<strong>do</strong>s chegam ao que<br />

pode ser: to<strong>do</strong> o branco é cristal e diamantes; o cora<strong>do</strong>, rosas e rubis; o verde, esmeral<strong>da</strong>s; o<br />

azul, safiras, e o amarelo, ouro e jacintos." Francisco Rodrigues LOBO, Corte na aldeia, ed. cit.,<br />

pp.126, 128.

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