17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

974 Padre Mateus Ribeiro<br />

Com esta pena saí, como digo, ao campo, junto à verde margem <strong>do</strong><br />

cristalino rio, a desafogar meu sentimento; e pon<strong>do</strong> os olhos nas sau<strong>do</strong>sas<br />

on<strong>da</strong>s que apressa<strong>da</strong>s se ausentavam <strong>da</strong> fonte, de quem com título de<br />

pequeno arroio nasceram, iam em lugar de buscar ventura, sepultar seu<br />

sepulcro no cau<strong>da</strong>loso Pó que as esperava, rompi em semelhantes queixas:<br />

- Que retar<strong>da</strong><strong>da</strong>s vejo em vós, sau<strong>do</strong>sas on<strong>da</strong>s, o lúbrico de minha<br />

ventura, o ruinoso de minha sorte e o ro<strong>da</strong>nte de meu altivo pensamento! Não<br />

se conhecem os privilégios <strong>do</strong> bem senão depois de perdi<strong>do</strong>, nem os desaires<br />

de um mal senão depois de experimenta<strong>do</strong>. Em pouco se estima o bem<br />

quan<strong>do</strong> se logra, pouco se teme o mal quan<strong>do</strong> longe se considera. Quem deixa<br />

o pátrio <strong>do</strong>micílio caminha a buscar sepulcro em terra alheia e em reino<br />

estranho. Que sepulta<strong>da</strong>s considero minhas alegrias com que vivia de antes<br />

tão consente em Cesena! Empenhei-me em amar a Fenisa, porque a vi em<br />

Bolonha; se de minha pátria não me ausentara, não a vira, e se não a vira, não<br />

a amara, pois foi em mim o amá-la a consequência de vê-la, e se a não amara,<br />

não penara. Intentei ausentar-me de senti<strong>do</strong> por ver igual a ingratidão à<br />

fermosura, emparelha<strong>da</strong> a soberania com a soberba, meu padecimento com<br />

seu <strong>do</strong>naire, pois fazia <strong>do</strong>naire de meu padecimento, as portas sempre abertas<br />

ao desdém e fecha<strong>da</strong>s de to<strong>do</strong> à esperança, com que desanima<strong>do</strong> meu<br />

coração, ven<strong>do</strong>-se tão feri<strong>do</strong> e mal cura<strong>do</strong>, intentei ausentar-me para ver se<br />

podia a distância <strong>da</strong>s terras remover <strong>da</strong> memória a quem tão retrata<strong>da</strong> vivia na<br />

lembrança, que nem a ingratidão a esquecia, nem a esquivança a olvi<strong>da</strong>va.<br />

Porém quan<strong>do</strong> solicitava o retiro apesar de meus afectos, tópico remédio para<br />

o penar, se bem agra bebi<strong>da</strong> para o querer, de repente apareceu nova luz à<br />

minha desconfia<strong>da</strong> esperança em seu chamamento para que falar-lhe fosse,<br />

quan<strong>do</strong> o maior silêncio <strong>da</strong>s trevas o mun<strong>do</strong> ocupasse com a noite.<br />

Duvi<strong>da</strong>va minha improvisa alegria de serem ver<strong>da</strong>deiros os anúncios<br />

desta não espera<strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de, pequena para o que lhe merecia, mas grande<br />

para o pouco que esperava, e sempre o passar de um extremo a outro leva<br />

consigo ou a pouca duração ou o perigo. Bem se viu ser assim, pois para que<br />

não durasse muito a lisonja desta aparente alegria, chegou Raimun<strong>do</strong> a ser<br />

verdugo desta abortiva esperança, cortan<strong>do</strong> em flor os assomos de minha<br />

malogra<strong>da</strong> ventura. Que haja de ser eu mesmo o corretor de minhas penas, o<br />

artífice de minhas mágoas e o solicita<strong>do</strong>r de meus desgostos e o medianeiro de

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!