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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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758 Padre Mateus Ribeiro<br />

Pois como terei confiança para pedir a Florisela para esposa que não me<br />

saia escusa<strong>da</strong> a petição? Lembra-me aquele dito de Platão 660 que não convém<br />

pedir-se quanto deseja a vontade, mas acomo<strong>da</strong>r-se a vontade ao que é lícito<br />

pedir-se; e que diz Cícero 661 que um ânimo desabri<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> se mostra mais<br />

sen<strong>do</strong> roga<strong>do</strong>. Sen<strong>do</strong> pois o desabrimento desta contrarie<strong>da</strong>de tão antigo, a<br />

desunião tão veterana, tão remonta<strong>da</strong> a afeição e tão presente o<br />

aborrecimento, como se persuadirão Ricar<strong>da</strong> e Lisar<strong>do</strong>, seu filho, para <strong>da</strong>rem a<br />

Florisela por esposa a quem tem por adversário? Ou como ela se acomo<strong>da</strong>rá a<br />

sujeitar-se mulher de quem tem por inimigo? Pois para emprender o casamento<br />

e não alcançá-lo, será ficar eu desairoso na pretensão e eles mais gloriosos no<br />

repúdio, ficarem meus parentes ressenti<strong>do</strong>s de mim, porque a pedi, e deles,<br />

porque negan<strong>do</strong> mostrarão estimar-me em pouco, e com este novo motivo<br />

causar-se maior incentivo que desperte as a<strong>do</strong>rmeci<strong>da</strong>s paixões. Esta causa é<br />

porque <strong>do</strong> casamento não tratei, com receios de ficar frustra<strong>do</strong> meu intento.<br />

Quanto a ofendê-la, nunca tal propôs meu coração, porque no brioso de<br />

Florisela desmaia to<strong>da</strong> a esperança de conseguir favores. É ilustre, é com<br />

extremo fermosa e dizem que é discreta. São estes atributos três presídios<br />

inexpugnáveis de seu crédito e opinião. A fi<strong>da</strong>lguia a faz briosa, a fermosura<br />

esquiva e a discrição acautela<strong>da</strong>, e aonde se dá tanto valimento para defender-<br />

se, nunca pode animar-se a esperança de conquistar-se.<br />

Por esta razão vos disse que nenhum fim determina<strong>do</strong> tinha meu querer,<br />

mais que somente amar, porque a vi; nem se encaminha a ofendê-la por quem<br />

é, nem a procurá-la por quem sou: que se ela é altiva para ser ofendi<strong>da</strong>, eu sou<br />

grande para ficar desengana<strong>do</strong> e despedi<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> a pretendera por esposa.<br />

Amo a Florisela com tal extremo que me parece que nem sen<strong>do</strong> ama<strong>do</strong> pudera<br />

querer-lhe mais <strong>do</strong> que hoje lhe quero, quan<strong>do</strong> me avalio aborreci<strong>do</strong>. Da<br />

matéria prima disse Aristóteles que, com receber várias formas contrárias, ela<br />

em si nunca se mu<strong>da</strong>: tal considero eu meu amor, que como não faz mu<strong>da</strong>nça<br />

de senti<strong>do</strong>, também a não fará de obriga<strong>do</strong>. Creceu a tal extremo e subiu a tal<br />

eminência que não lhe fica Olimpo a que voar: porque na valentia <strong>da</strong>s asas<br />

to<strong>do</strong> o altivo venceu. A lua tem aumentos no luzir e depois baixas no brilhar,<br />

Plat., De leg.<br />

Cie, Ad Curt.

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