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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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272 Padre Mateus Ribeiro<br />

as honras consiste nas obras, mas o possuí-las ou lográ-las na ventura.<br />

Quanto trabalhei em tantos anos para subir, um só dia bastou para abater.<br />

Quanto trabalhou Agis, rei <strong>do</strong>s lacedemónios, por sua república, em um dia<br />

desfizeram os éforos, seus severos juízes, privan<strong>do</strong>-o <strong>da</strong> coroa e man<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-<br />

Ihe tirar a vi<strong>da</strong> afrontosamente; que não foi poderoso o ceptro com que a to<strong>do</strong>s<br />

man<strong>da</strong>va para isentá-lo de obedecer a quem de antes lhe obedecia.<br />

Assim suspiran<strong>do</strong> parti a casa de meus pais, para alcançar mais<br />

particular informação de minha pena, aonde achei a minha mãe tão enferma de<br />

<strong>do</strong>r, como <strong>da</strong>s sau<strong>da</strong>des de uma filha tão queri<strong>da</strong> e tanto para estima<strong>da</strong>. São<br />

as sau<strong>da</strong>des uma batalha que se dá entre o coração, os olhos e a memória:<br />

esta lembran<strong>do</strong>, o coração aman<strong>do</strong> e os olhos não ven<strong>do</strong>. Se o coração não<br />

amara, a memória se riscara e os olhos não sentiram; mas como ama o<br />

coração, nem a memória se descui<strong>da</strong>, nem os olhos sossegam. Se o coração<br />

não penara, os olhos não <strong>do</strong>rmiram e a memória suspendera o desperta<strong>do</strong>r de<br />

seu tormento, mas como o amor se não suspende, nem a memória tem tréguas<br />

em que descanse, nem os olhos suspensão de armas em que sosseguem.<br />

Pesam-se as sau<strong>da</strong>des na balança <strong>do</strong> querer: tanto tem de rigorosas, quanto o<br />

amor de grande; tanto de dilata<strong>da</strong>s, quanto o querer de firme. Não dá tormento<br />

ausentar-se o que não dá desvelo em querer-se, porque pouco lembra a<br />

memória para sentir-se, que lhe custa pouco em estimar-se; mas como em<br />

minha mãe era o amor tão poderoso, tão fresca a mágoa, tão excessiva a <strong>do</strong>r,<br />

pouco faltava para tirar-lhe a vi<strong>da</strong>, se ain<strong>da</strong> tinha vi<strong>da</strong> para perder quem no<br />

sentimento <strong>do</strong> rapto de tal filha tinha perdi<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>.<br />

Informei-me <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de antes de resolver-me no remédio, se podia ter<br />

remédio tão irreparável <strong>da</strong>no; e era tal a pena de meus pais que mal <strong>da</strong>va lugar<br />

para o certo se descobrir. Enfim subi a quinta aonde o conde estava e os que<br />

lhe fizeram escolta ao insulto, e não me custou pouca moléstia ajuizar sobre a<br />

vingança, porque um coração aflito serve de rémora ao discurso e de martírio<br />

ao juízo. Consultar os meios de uma vingança, quem tem recebi<strong>do</strong> a ofensa,<br />

não pode em breve espaço; porque as paixões <strong>da</strong> alma impedem o acerto <strong>da</strong><br />

eleição; e mais quanto o ofensor é poderoso, de quem pode resultar receber<br />

antes nova ofensa <strong>do</strong> que <strong>da</strong> primeira satisfação. Provoca uma vingança outra,<br />

como disse Euripides. É necessário mais juízo na vingança que na ofensa; esta<br />

talvez é parto <strong>do</strong> furor e estoutra <strong>do</strong> discurso. Era Roberto ofensor e poderoso,

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