17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte IV 625<br />

sombras caliginosas <strong>da</strong> noite? Se madrugavam as aves para festejar-te, como<br />

te <strong>da</strong>rão salva quan<strong>do</strong> se retiram? Como causan<strong>do</strong> a aurora a to<strong>do</strong>s alegria, só<br />

para mim se guar<strong>da</strong> a maior tristeza? Não consideras que para quem ama é o<br />

menor descui<strong>do</strong> o maior veneno? Como queres que logre a noite privilégios de<br />

dilata<strong>da</strong> posse, por faltares com tuas luzes a despedi-la? Que cousa pôde<br />

deter-te? Se as sau<strong>da</strong>des <strong>da</strong> pátria, para vencê-las é o valor; se o temor <strong>do</strong>s<br />

perigos, tu<strong>do</strong> facilita o querer; se duvi<strong>da</strong>s de minha firmeza, abona<strong>do</strong> fia<strong>do</strong>r<br />

tens em meu amor; se tua mu<strong>da</strong>nça, desculpa tens em minha ventura; que<br />

nunca para um desgraça<strong>do</strong> houve felici<strong>da</strong>de com segurança.<br />

Assim me queixava eu de impaciente a quem me não ouvia; que é<br />

desgraça de um queixoso o não ser ouvi<strong>do</strong>, pois se impossibilita o meio de ser<br />

remedia<strong>do</strong> seu sentimento. Era isto ao tempo que o sol ia retiran<strong>do</strong> a fermosura<br />

<strong>do</strong>s raios, quan<strong>do</strong> eu, montan<strong>do</strong> a cavalo, quis avizinhar-me à quinta de<br />

Aurora, para ver se podia ter indícios <strong>da</strong> ocasião desta para meu desejo tão<br />

insofrível tar<strong>da</strong>nça. An<strong>da</strong><strong>do</strong> teria meio caminho, quan<strong>do</strong> de repente me vi<br />

cerca<strong>do</strong> de uma tropa de gente de cavalo, com outra muita de pé, que com<br />

espingar<strong>da</strong>s e pistolas me disseram que me desse preso à justiça. Conheci,<br />

entre outros, a Octávio Lamberias e ao auditor de Bolonha. E perguntan<strong>do</strong> eu a<br />

razão por que me prendiam, respondeu Octávio Lambertas, sobre mo<strong>do</strong><br />

indigna<strong>do</strong>:<br />

- E bem, trai<strong>do</strong>r, perguntas a causa, haven<strong>do</strong>-me rouba<strong>do</strong> a minha filha?<br />

- Para que são palavras (disse um seu primo), cavaleiro bem alenta<strong>do</strong>,<br />

quan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s agravos podem satisfazer-se as vinganças?<br />

E levantan<strong>do</strong> o cão à espingar<strong>da</strong>, me ia a atirar delibera<strong>da</strong>mente, se o<br />

auditor se não adiantara a suspender-lhe o tiro a altas vozes, dizen<strong>do</strong>:<br />

- E bem, senhores, esse é o respeito que à justiça se guar<strong>da</strong>? Tão<br />

pouco confiais <strong>da</strong> rectidão e inteireza <strong>do</strong> senhor lega<strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r, que não<br />

<strong>da</strong>rá a esse preso o justo castigo que merecer seu delito? Porventura trazeis-<br />

me em vossa companhia para ser testemunha de vossa vingança e não juiz de<br />

vossa justiça? Se vos não desculpara o excesso <strong>do</strong> sentimento, maior<br />

demonstração fizera <strong>do</strong> pouco respeitosos que em minha presença vos<br />

mostrastes. Suspendei as armas, que a justiça se pinta com balanças e<br />

espa<strong>da</strong>, para que pesan<strong>do</strong> primeiro as culpas, possa depois ao melhor<br />

executar o golpe.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!