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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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254 Padre Mateus Ribeiro<br />

esta consideração pudera mu<strong>da</strong>r de parecer antes de aventurar-se, o que<br />

causaria a total ruína de quanto fabrica<strong>do</strong> tínhamos.<br />

Também temia que o sol<strong>da</strong><strong>do</strong> e sentinela mu<strong>da</strong>sse de intento, pois não<br />

arriscávamos menos que a vi<strong>da</strong>, persuadin<strong>do</strong>-se a passar antes uma vi<strong>da</strong><br />

necessita<strong>da</strong> que aventurar-se a uma morte afrontosa; que suposto que os<br />

sol<strong>da</strong><strong>do</strong>s tragam a vi<strong>da</strong> ofereci<strong>da</strong> aos assaltos <strong>da</strong> ventura, contu<strong>do</strong> temem<br />

menos sofrer a morte no conflito <strong>da</strong> guerra que padecê-la com afronta na<br />

tranquili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> paz. Mas enfim a Eugenia cegou o amor e ao sol<strong>da</strong><strong>do</strong> o<br />

interesse, que são os inimigos que tem a razão para precipitar-se.<br />

Enfim entre estes temerosos discursos se avizinhou a noite de nós tão<br />

deseja<strong>da</strong> para alívio, como de outros temi<strong>da</strong> por tormenta. Era esta escura e<br />

como tal apropria<strong>da</strong> para o que a nosso intento convinha: ocuparam as<br />

sombras o hemisfério, perderam as cores a vi<strong>da</strong>, as flores a gala, os pra<strong>do</strong>s a<br />

fermosura, os campos a esmeral<strong>da</strong>; deceu a confusão rebuça<strong>da</strong> nas trevas,<br />

entrou o silêncio disfarça<strong>do</strong> no descui<strong>do</strong>, esconderam-se as aves músicas em<br />

seus abrigos, saíram as nocturnas de suas covas; só as estrelas cintilavam,<br />

quan<strong>do</strong> as nuvens lugar lhes concediam, que até para luzes de estrelas há<br />

embargos de nuvens. O mar com seus brami<strong>do</strong>s resisti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s roche<strong>do</strong>s nem<br />

<strong>do</strong>rmia, porque clamava, nem se acobar<strong>da</strong>va, porque luzia, granjean<strong>do</strong>-lhe o<br />

escuro manto <strong>da</strong> noite os cintilantes e argenta<strong>do</strong>s matizes que lhe negava o<br />

dia.<br />

Entre temor e esperança <strong>do</strong>s martírios <strong>do</strong> desejo atendíamos às horas<br />

em que o capitão <strong>do</strong> castelo se recolhesse e ao sono se entregasse, bem<br />

ignorante de quantos desvelos havia de custar-lhe este breve descui<strong>do</strong>: mas<br />

quan<strong>do</strong> a ocasião de sua própria casa lhe nascia, quem pode adivinhar seu<br />

próprio <strong>da</strong>no? Seria meia-noite já an<strong>da</strong><strong>da</strong> quan<strong>do</strong> Eugenia nos fez sinal que<br />

eram as horas de nós tão espera<strong>da</strong>s e, abrin<strong>do</strong> bran<strong>da</strong>mente a porta, saiu com<br />

as chaves <strong>do</strong> castelo que subtilmente a seu pai furtara, e juntamente levan<strong>do</strong><br />

algumas jóias suas que tinha, como adverti<strong>da</strong> e acautela<strong>da</strong>, nos entregou três<br />

pistolas <strong>da</strong>s que seu pai tinha, e encaminhan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s para as portas <strong>do</strong> castelo<br />

em que a pobre sentinela nos esperava, antes de entregar as chaves nos disse<br />

desta sorte:<br />

- Esta, senhores, que em mim podeis julgar por livian<strong>da</strong>de de amante,<br />

sen<strong>do</strong> pie<strong>do</strong>sa compaixão de vosso risco, me obrigou a deixar a casa de meus

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