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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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654 Padre Mateus Ribeiro<br />

a<strong>do</strong>ração <strong>do</strong>s seus cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s. Chama-se Zelin<strong>da</strong>, e com razão lhe competia o<br />

nome: pois se <strong>da</strong> lindeza nascem os ciúmes em quem ama, ela em o nome<br />

tinha junto os ciúmes e a lindeza. Pintou nela a natureza a oitava maravilha, se<br />

não disser que <strong>da</strong>s sete que tanto admirou a antigui<strong>da</strong>de, foi ela a primeira pela<br />

grande distância que vai <strong>do</strong> vivo ao desanima<strong>do</strong> e <strong>do</strong> racional ao insensível.<br />

Sobre<strong>do</strong>uravam as madeixas de seu cabelos a brunhi<strong>da</strong> prata de seu rosto,<br />

cujos can<strong>do</strong>res <strong>da</strong>vam temor às açucenas de poderem parecer escuras à sua<br />

vista, sen<strong>do</strong> anima<strong>da</strong> neve sem derreter-se; porque os montes Alpes não eram<br />

mais eminentes na presunção, nem mais altivos e neva<strong>do</strong>s na isenção e na<br />

dureza. Eram os olhos de Zelin<strong>da</strong> negros como a noite mais escura. Quem viu<br />

por admiração a noite nos olhos e a manhã no rosto? O escuro mais denso e o<br />

sol mais luzi<strong>do</strong>? Rasgou-lhe a natureza os olhos para facilitar seus assaltos,<br />

franquean<strong>do</strong> as portas para saírem as luzes. É ordinariamente o luto <strong>da</strong> noite<br />

bandeira de tréguas em que descansam os senti<strong>do</strong>s; mas em Zelin<strong>da</strong> era o luto<br />

agradável de seus olhos bandeira de viva guerra para assaltar descui<strong>da</strong><strong>do</strong>s. E<br />

se o negro <strong>da</strong> noite é férias <strong>do</strong>s cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s, os olhos de Zelin<strong>da</strong> a ninguém que<br />

os via permitiam descui<strong>do</strong>s; que como tinha o sol na cara e a noite nos olhos,<br />

logravam estes sempre para guerrearem os privilégios de dia.<br />

Sangria de coral parecia a boca pelo breve <strong>do</strong> rasgo, que sempre<br />

parecia na<strong>da</strong>r em sangue, sem vertê-lo, e em concha tão sucinta <strong>da</strong> púrpura<br />

mais fina aprisionava pérolas por dentes. E quan<strong>do</strong> nas lágrimas <strong>da</strong> aurora se<br />

não vissem congela<strong>da</strong>s, sempre em sua boca se viam as mais finas. Competia<br />

o <strong>do</strong>nairoso <strong>do</strong> talhe consigo mesma; porque tanto nela se apurou a natureza<br />

com os poli<strong>do</strong>s rasgos <strong>do</strong> pincel que quis fosse modelo para o brioso, de<br />

nenhuma imita<strong>do</strong> e de to<strong>do</strong>s apeteci<strong>do</strong>. Era tão discreta como fermosa; e não<br />

encareci pouco seu juízo! Pois se com Zelin<strong>da</strong> ninguém correu parelhas na<br />

beleza, ninguém presumiu igual<strong>da</strong>de na discrição, sen<strong>do</strong> ela só em<br />

Constantinopla racional triunfo na beleza e aplaudi<strong>do</strong> vencimento na discrição.<br />

Era este anima<strong>do</strong> prodígio a mais celebra<strong>da</strong> maravilha pela fama que pela<br />

vista; porque não costumam as turcas saírem em público sem irem<br />

mascara<strong>da</strong>s. Porém que nuvem seria bastante para esconder tanto sol? Nem<br />

que máscara para encobrir tanta neve? Pois ao Olimpo superior não se<br />

atrevem as novens. Era Zelin<strong>da</strong> de sua própria estimação tão altiva e tão<br />

despreza<strong>do</strong>ra de cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s que era a desestimação que de tu<strong>do</strong> fazia igual à

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