17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

830 Padre Mateus Ribeiro<br />

alcançam menos. À vista <strong>da</strong> sole<strong>da</strong>de <strong>do</strong> sítio, repetia Roberto na memória<br />

suas mágoas nas ausências de Lívia, a quem um cioso furor fabrica<strong>do</strong> na<br />

aparência, e não na ver<strong>da</strong>de, ausentou de seus olhos, com dúvi<strong>da</strong>s de jamais<br />

vê-la. Tem o arrependimento seu tribunal aonde se revê o que<br />

precipita<strong>da</strong>mente sentenciou a ira, aonde se emen<strong>da</strong>m os erros <strong>da</strong> paixão e se<br />

revogam os processos <strong>da</strong> suspeita, aonde se apuram as ver<strong>da</strong>des e se<br />

desterram os enganos, e finalmente se conhece no pesar intrínseco que<br />

atormenta o coração que foram falsos os pesos <strong>da</strong> justiça, pois só deles<br />

ficaram os pesares. É o arrependimento de uma acção injusta, de um furor<br />

violento, de uma ingratidão não mereci<strong>da</strong>, de uma inocência sem razão<br />

persegui<strong>da</strong> e de uma leal<strong>da</strong>de mal premia<strong>da</strong> tão eficaz que, para que o<br />

coração com a mágoa não rebente, se apela para as lágrimas enterneci<strong>da</strong>s:<br />

como fez o grande Alexandre na inconsidera<strong>da</strong> morte que deu apaixona<strong>do</strong> a<br />

Clito, seu aio, de quem tinha recebi<strong>do</strong> tão leais serviços, que choran<strong>do</strong> de<br />

magoa<strong>do</strong> e suspiran<strong>do</strong> de pesaroso, determinava acabar a vi<strong>da</strong> de senti<strong>do</strong>, se<br />

seus capitães lhe não estorvaram.<br />

Assi Roberto, oprimi<strong>do</strong> <strong>da</strong>s sau<strong>do</strong>sas lembranças de sua esposa Lívia,<br />

por sua causa perdi<strong>da</strong>, agora na memória com a presença <strong>do</strong> cau<strong>da</strong>loso rio<br />

retrata<strong>da</strong>, foi tal seu sentimento que sem o pretender mostrar, tomaram os<br />

olhos violento conhecimento de sua <strong>do</strong>r, para não desfalecer o coração com o<br />

intenso <strong>da</strong> pena. Advertiu-me o lacrimável a fonte <strong>do</strong>nde manava tão viva<br />

ânsia, que não pôde ocultá-lo o disfarce <strong>do</strong> brioso, nem encobri-lo o rebuça<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> alenta<strong>do</strong>; e porque o sol <strong>da</strong>va mostras de duplicar os calores mais ardentes<br />

ao dia, apean<strong>do</strong>-nos <strong>do</strong>s cavalos ao ameno asilo <strong>da</strong>s ribeiras <strong>do</strong> rio, servin<strong>do</strong>-<br />

nos de verde cortina contra os raios <strong>do</strong> sol as fron<strong>do</strong>sas árvores que a sua<br />

margem assistem, assenta<strong>do</strong>s na verde relva me lembra que assi lhe disse:<br />

- Bem sei, senhor Roberto, que o extremoso de uma pena é tormento<br />

que faz confessar aos olhos o que quer negar a voz, sen<strong>do</strong> a mágoa mais<br />

poderosa que o brio e o enterneci<strong>do</strong> que o valor. Conheço que a memória é o<br />

verdugo e o coração o que padece; pois talvez não sentiria se a memória não<br />

lembrara. Porém quisera perguntar-vos se esse sentimento que de vossa<br />

esposa tendes nasce amotiva<strong>do</strong> <strong>do</strong> que obrastes ou porque ao presente não<br />

aparece?

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!