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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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888 Padre Mateus Ribeiro<br />

Se pois com o pretexto <strong>da</strong> paz se consertou o casamento, para fim <strong>da</strong>s<br />

veteranas discórdias de Cesena, não tendes razão de vos queixardes: pois<br />

mais deve<strong>do</strong>r sois ao bem de vossa pátria <strong>do</strong> que à conveniência de vosso<br />

gosto. É o bem público maior que o bem particular, e se há-de solicitar ain<strong>da</strong><br />

com os discómo<strong>do</strong>s próprios, porque o tronco bem pode sustentar-se vivo sem<br />

os ramos, porém estes não podem viver e sustentar-se sem o tronco que os<br />

alimenta. O bem de vossa pátria é bem de to<strong>do</strong>s, de que no sossego <strong>da</strong> paz<br />

to<strong>do</strong>s participam e nas hostili<strong>da</strong>des to<strong>do</strong>s as per<strong>da</strong>s, os <strong>da</strong>nos e as moléstias<br />

sentem; e mais justo é que vosso gosto falte <strong>do</strong> que Cesena por sua quietação,<br />

por vossa causa, corte.<br />

Isto pressuposto, que ficastes perden<strong>do</strong> em não casardes com Florisela,<br />

ou se mu<strong>da</strong>sse como mulher, ou a obrigasse a mu<strong>da</strong>r de parecer como filha?<br />

Era mais que uma mulher que como mortal podia acabar a vi<strong>da</strong> em breves<br />

dias? A quem uma enfermi<strong>da</strong>de podia despojar <strong>da</strong> beleza, um acidente<br />

suspender a fermosura? Uma desgraça sequestrar o <strong>do</strong>naire, um achaque<br />

deslustrar a lindeza e finalmente a morte ser rigorosa executora de to<strong>da</strong> a<br />

perfeição que nela vosso amor debuxa e vosso desejo suspira? Pois o que<br />

podia tiranizar o breve <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, o caduco <strong>do</strong> tempo, o frágil <strong>da</strong> condição e o<br />

funesto <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de, por que não o efectuará o discurso? Por que o não<br />

obrará a razão? São os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s os maiores discómo<strong>do</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e a pensão<br />

maior <strong>da</strong> natureza, verdugos de portas adentro incessáveis no atormentar,<br />

implacáveis no afligir. Que ro<strong>da</strong> de Ixion tão inquieta se move? Que oceano<br />

inquieto tão flutuante se mostra, tão empola<strong>do</strong> brama, que no impetuoso com<br />

maior estron<strong>do</strong> <strong>da</strong>s eminentes cataratas <strong>do</strong>s roche<strong>do</strong>s se despenha? Do que<br />

os contínuos cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s acometem a um coração, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> assaltos à memória?<br />

Porém vós, Silvério, tendes uma mãe que vos ama, amigos que vos<br />

estimam, bastantes ren<strong>da</strong>s com que passar a vi<strong>da</strong> com decência, sem as<br />

vanglorias <strong>do</strong>s mais ricos e sem os dissabores <strong>do</strong>s mais pobres. Não vos<br />

desvela a guerra, nem vos inquieta o mar, porque nem vos chama <strong>do</strong>s lugares<br />

a ambição, nem <strong>do</strong>s mares os arrisca<strong>do</strong>s interesses: podeis levar a mais alegre<br />

vi<strong>da</strong>, se souberdes avaliar o vosso esta<strong>do</strong>. Considerai quantos mancebos<br />

nobres tem Cesena que desejariam o ser de Florisela esposos, e não<br />

empenhan<strong>do</strong> nessa pretensão os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s, nenhuma moléstia lhes dão esses<br />

desejos. Compõe-se ca<strong>da</strong> qual com sua sorte e com ela passa a vi<strong>da</strong> contente;

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