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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte III 525<br />

Era a noite escura e o tempo <strong>do</strong> maior silêncio em que me retirava para<br />

não ser conheci<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> senti vir a ron<strong>da</strong>, e porque pelo caminho que eu<br />

levava era impossível o não encontrar-me com ela, para desviar o encontro, dei<br />

volta ao muro <strong>do</strong> jardim de Jacinta e saltei dentro com tanta ligeireza que não<br />

fui <strong>da</strong> ron<strong>da</strong> senti<strong>do</strong>. Vi aberta uma porta <strong>da</strong>s casas e, entran<strong>do</strong> por ela, ouvi<br />

an<strong>da</strong>r a gente revolta sobre o sucesso <strong>da</strong> briga e feri<strong>do</strong>s que junto às casas<br />

estavam, a que já a ron<strong>da</strong> tinha acudi<strong>do</strong>. Entrei pelas casas guia<strong>do</strong> <strong>do</strong> temor,<br />

de quem disse o Séneca 513 que ninguém se isenta. Sucedeu que ao querer<br />

entrar em uma <strong>da</strong>s casas, visse a Jacinta à luz de uma vela que sobre um<br />

bofete (a) ardia; e enten<strong>do</strong> fora escusa<strong>da</strong> outra luz onde brilhavam as luzes de<br />

seus olhos. Assustou-se em ver-me, e queren<strong>do</strong> retirar-se com o temor, eu lhe<br />

disse assim:<br />

- Vali-me, ó Jacinta, <strong>do</strong> sagra<strong>do</strong> de tua casa, por fugir a ser conheci<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong> justiça; obrigação é de quem tu és amparar a quem se vai de teu patrocínio.<br />

Fugi <strong>da</strong>s sombras e avizinhei-me aos raios <strong>do</strong> sol. Quem viu fugir um temeroso<br />

<strong>da</strong>s trevas <strong>da</strong> noite para a luz <strong>do</strong> dia? Teus olhos foram a causa de quererem<br />

matar-me, e escusa<strong>da</strong> fora a morte, quan<strong>do</strong> teus olhos me tem morto. Defendi-<br />

me porque uma vi<strong>da</strong> não pode pagar à morte <strong>do</strong>us tributos: um aos golpes de<br />

quem me busca e outro às esquivanças de quem me foge. Pouco valeram<br />

contigo meus desvelos. Quem ama sem ventura nunca alcança galardão, por<br />

mais finezas que obre. Conheça-te nesta ocasião ao menos pie<strong>do</strong>sa, pois<br />

jamais pude conhecer-te obriga<strong>da</strong>, e mereça por forasteiro este favor, pois<br />

outro não pude merecer-te por amante.<br />

Atenta me ouviu Jacinta e, movi<strong>da</strong> à compaixão, me man<strong>do</strong>u esconder<br />

em outra casa de que ela só tinha a chave; e fechan<strong>do</strong> a porta, acudiu ao<br />

alvoroço que em sua casa ia, porque seu pai Fabrício e sua mãe Armin<strong>da</strong> com<br />

to<strong>da</strong> a gente de casa acudiam a receberem nela a Júlio Ubal<strong>do</strong>, primo <strong>do</strong><br />

duque, que desmaia<strong>do</strong> <strong>do</strong> muito sangue que <strong>da</strong> artéria <strong>do</strong> braço direito em que<br />

estava feri<strong>do</strong> lhe corria, em braços o subiam para se lhe aplicarem remédios,<br />

se o rigor <strong>da</strong> feri<strong>da</strong> o permitisse; e um <strong>do</strong>s cria<strong>do</strong>s estava nos últimos termos<br />

513 Senec, Epist. 79.<br />

(a) Segun<strong>do</strong> D. Rafael Bluteau, espécie de banca lavra<strong>da</strong> <strong>do</strong> melhor pau que o ordinário e com<br />

mais curiosi<strong>da</strong>de.

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