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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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642 Padre Mateus Ribeiro<br />

podem igualar aos que tem recebi<strong>do</strong> meu coração, porque seriam poderosos<br />

para corromper os próprios mares.<br />

Oh! mudável Aurora, prelúdio não já <strong>do</strong> dia deseja<strong>do</strong> de minha alegria,<br />

mas <strong>da</strong> noite tenebrosa de meu implacável tormento! Nunca meus olhos te<br />

houveram visto, pois se te não viram, meu coração não padecera. Não foram<br />

poderosas minhas finezas, com te haverem obriga<strong>do</strong>, para considerar-te<br />

agradeci<strong>da</strong>. Pois quem ama sem ventura, <strong>do</strong>s mesmos extremos <strong>do</strong> amar faz<br />

motivos de ofender. Deixaste-me quan<strong>do</strong> mais me devias, alcançan<strong>do</strong> Dom<br />

Rodrigo por venturoso o que eu só merecia por amante. Por ti deixei os<br />

estu<strong>do</strong>s e só me desvelei em aprender a arte de te amar e leis de querer-te,<br />

pon<strong>do</strong> em enfraquecimento o que mais me importava seguir. E agora me priva<br />

a fortuna juntamente <strong>do</strong> que mais me importava e <strong>do</strong> que mais queria. Era meu<br />

amor cego, e como tal não conheceu o precipício. Não me cansava o voo,<br />

porque alentava as asas meu desejo. Mas tu<strong>do</strong> vi despenha<strong>do</strong> em um instante:<br />

o voo, porque era meu; a esfera, porque era tua. Levantei sobre mu<strong>da</strong>nças o<br />

edifício de minhas malogra<strong>da</strong>s esperanças. E não podiam sustentar-se em<br />

bases tão inconstantes pensamentos tão firmes, pois nunca um contrário se<br />

conserva em outro.<br />

Esta é, senhor, a raiz profun<strong>da</strong> de minha oculta tristeza, pouco declara<strong>da</strong><br />

e muito senti<strong>da</strong>; pois (como diz Quintiliano) há cousas que por muito que se<br />

expliquem, nunca cabalmente se declaram; porque não comete o intenso <strong>da</strong><br />

<strong>do</strong>r tanta comissão às palavras que possam tanto dizer quanto o coração<br />

chega a sentir.<br />

Atento e admira<strong>do</strong> ouviu Anacleto os progressos de minha vi<strong>da</strong> e as<br />

queixas de minha voz, e suspenso entre demonstrações de enterneci<strong>do</strong>,<br />

consultou um breve espaço minha <strong>do</strong>r em seu juízo sobre a resposta que <strong>da</strong>ria.<br />

Porque ao excessivo de uma mágoa, não é fácil a resposta de um alívio. E por<br />

conclusão me disse assim:<br />

- É possível, senhor Hortênsio, que com tanto excesso vos atormentem<br />

cousas sem remédio? E que permitais que sem fruto hajam de ser os<br />

desgostos verdugos de vossa vi<strong>da</strong>? Se na aflição <strong>da</strong> pena consistira seu<br />

remédio, fácil fora o padecer a fim de remediar. Questão foi discuti<strong>da</strong> entre os<br />

discretos sobre julgarem em que males assentava melhor o sentimento. E<br />

depois de diversos pareceres, resolveram que nenhuns males temporais eram

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