17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

634 Padre Mateus Ribeiro<br />

compassiva o não matassem, sequer para que ele pudesse confessar-se e de<br />

sua licenciosa vi<strong>da</strong> arrepender-se. Neste esta<strong>do</strong> o deixaram; e depois se soube<br />

que <strong>da</strong>í a três dias morrera no lugar mais vizinho, para onde uns pastores que<br />

por ali passaram, compadeci<strong>do</strong>s de o verem tão mortal, o conduziram.<br />

Acudiu logo Dom Rodrigo de Tole<strong>do</strong> a reprimir o sangue que <strong>da</strong>s leves<br />

feri<strong>da</strong>s de Aurora corria, parecen<strong>do</strong> purpúreos cravos seus matizes, que sobre<br />

os can<strong>do</strong>res de açucenas se desfolhavam; e não foi pequena fineza de seu<br />

valor, ven<strong>do</strong> ofendi<strong>da</strong> tão rara gentileza, suspender o último <strong>da</strong> vingança, por<br />

obedecer a seu rogo, mostran<strong>do</strong>-se em tu<strong>do</strong> cortês. Reprimiu-lhe o sangue<br />

com um rico lenço de Aurora, que com ser de neva<strong>da</strong> holan<strong>da</strong>, receou ficar<br />

escura em tocan<strong>do</strong> o cristalino <strong>da</strong> mão. E subin<strong>do</strong>-a com to<strong>da</strong> a decência nas<br />

ancas <strong>do</strong> seu cavalo, e a cria<strong>da</strong> nas <strong>do</strong> cria<strong>do</strong> mais ancião <strong>do</strong>s que consigo<br />

trazia, porque o deserto <strong>do</strong> lugar não permitia mais dilata<strong>da</strong> assistência,<br />

começaram a caminhar para o palácio <strong>do</strong>s Rossis, aonde Aurora lhe pediu que<br />

a levasse, esperan<strong>do</strong> que eu lá estivesse.<br />

É a fi<strong>da</strong>lguia em to<strong>da</strong>s as nações <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> louva<strong>da</strong> e digna de to<strong>da</strong> a<br />

estimação, por ser (como diz o Séneca) um resplan<strong>do</strong>r <strong>da</strong>s acções generosas<br />

comunica<strong>do</strong> com a própria natureza. Tesouro <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de lhe chamou Plutarco<br />

e lição estudiosa <strong>do</strong> pejo a intitulou Euripides, e com razão. Porque não se<br />

atreve um ânimo generoso a cometer acções tão indecorosas que o movam a<br />

pejar-se o pun<strong>do</strong>nor <strong>da</strong> fi<strong>da</strong>lguia que professa de serem publica<strong>da</strong>s; porque<br />

como vai tão interessa<strong>do</strong> em comunicar o luzi<strong>do</strong> <strong>da</strong> opinião, não se abate a <strong>da</strong>r<br />

motivos para ser <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> em os desaires julga<strong>do</strong>. Com ser esta regra geral<br />

em to<strong>do</strong>s os que se prezam de ilustres, ain<strong>da</strong> nos fi<strong>da</strong>lgos espanhóis é com<br />

maior exacção observa<strong>da</strong> na cortesia com que respeitam as mulheres e as<br />

amparam. Assim se viu quan<strong>do</strong> o go<strong>do</strong> rei Alarico entran<strong>do</strong> em Roma por<br />

assalto e prenden<strong>do</strong> seus sol<strong>da</strong><strong>do</strong>s a uma moça religiosa e fermosíssima que<br />

ia fugin<strong>do</strong>, e trazen<strong>do</strong>-a à sua presença com os ricos vasos de ouro que levava<br />

para salvá-los <strong>do</strong> saco que na ci<strong>da</strong>de se <strong>da</strong>va, o rei com to<strong>da</strong> a cortesia e<br />

decência a man<strong>do</strong>u levar com os ricos vasos que trazia ao seu convento, sem<br />

permitir que a militar ousadia <strong>do</strong>s sol<strong>da</strong><strong>do</strong>s nem a ofendesse, nem a<br />

despojasse. Não menos se manifestou esta espanhola cortesia quan<strong>do</strong> o<br />

valeroso conde de Barcelona, Dom Raimun<strong>do</strong> Arnal<strong>do</strong>, foi disfarça<strong>do</strong> à ci<strong>da</strong>de<br />

de Colónia a defender em público desafio, como então se costumava, a

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!