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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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372 Padre Mateus Ribeiro<br />

solidão a fim de tirar-me a vi<strong>da</strong>? Bom prémio dás às finezas com que te amei,<br />

pagar-me com tiranias, que como nunca foste amante ver<strong>da</strong>deiro, não sabes<br />

pagar senão em moe<strong>da</strong> falsa. Que te cansasses de querer-me, prova seria de<br />

tua mu<strong>da</strong>nça, mas que intentes tirar-me a vi<strong>da</strong>, novo arbítrio é de tua<br />

cruel<strong>da</strong>de, pois intentas ser verdugo, quan<strong>do</strong> te julgava amparo, tomas<br />

privilégios de mari<strong>do</strong> para ofender-me e não obrigações de amante para pagar-<br />

me. Oh quem pudera declarar o que sinto, pois quanto digo é só um átomo <strong>do</strong><br />

que padeço! Se me aborreces e me avalias molesta para companhia, quan<strong>do</strong><br />

já em outro tempo me chamavas delícia, me intitulavas recreio, deixas-me<br />

nesta solidão a que me conduziste, que se adquirires nome de ingrato, não<br />

granjearás o de cruel. Com me deixares, ficarás leve <strong>da</strong> carga que te oprime,<br />

pois <strong>da</strong>ma aborreci<strong>da</strong> é tão pesa<strong>da</strong> carga. Seja este, Maurício, o último favor<br />

que te peço, que pois não tens com que pagar quanto me deves, só com que<br />

me deixes me <strong>da</strong>rei por paga. Busca a quem mais te agrade, solicita a quem<br />

melhor te pareça, e deixa-me a mim só e em terra alheia chorar os desacertos<br />

de minha passa<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, que ain<strong>da</strong> que chego tarde para descobri-los, nunca<br />

chegarei tarde para chorá-los.<br />

Assim choran<strong>do</strong> falava a discreta espanhola, com grande lástima de mim<br />

que encoberto a ouvia, mas estava tão endureci<strong>do</strong> o coração de seu ingrato<br />

amante, que não puderam as balas de cristal de suas lágrimas abrir a brecha<br />

menor na dureza de seu peito, antes arrancan<strong>do</strong> a espa<strong>da</strong>, cego <strong>da</strong> paixão, se<br />

foi chegan<strong>do</strong> a ela, que posta de joelhos a grandes vozes dizia:<br />

- Suspende, Maurício, o golpe, que não é acção <strong>do</strong> valor tiranizar uma<br />

vi<strong>da</strong> de tantas penas molesta<strong>da</strong>. Sabem os leões per<strong>do</strong>ar a uma mulher<br />

rendi<strong>da</strong>, embainhan<strong>do</strong> as garras de que os armou a natureza, e tu, sen<strong>do</strong><br />

racional, desembainhas a espa<strong>da</strong> para tingi-la em meu sangue. Que vitória<br />

alcanças de quem a teus pés se humilha? Que vingança consegues de quem<br />

jamais te ofendeu? Valham-me os privilégios de ser mulher para apie<strong>da</strong>r-te,<br />

pois me não valeram os merecimentos de amante para entemecer-te.<br />

Aqui já eu impaciente e magoa<strong>do</strong>, ven<strong>do</strong> que o apaixona<strong>do</strong> sol<strong>da</strong><strong>do</strong> a<br />

na<strong>da</strong> se demovia, me arrojei furioso e, arrancan<strong>do</strong> a espa<strong>da</strong>, lhe disse:<br />

- Descomedi<strong>do</strong> espanhol, não mostrais ser valeroso nem bem-nasci<strong>do</strong><br />

na bárbara acção que emprendeis, em quererdes matar a uma pobre mulher

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