17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Alívio de tristes e consolação de queixosos- Parte III 429<br />

- Parecia-me, senhor Felizar<strong>do</strong>, que os extremos de vosso desgosto e o<br />

excessivo de vossa tristeza procedia de causa tão avantaja<strong>da</strong> a to<strong>do</strong> o alívio<br />

que vencesse vosso bom juízo e eclipsasse as luzes de vosso discurso; mas<br />

vejo no que me haveis referi<strong>do</strong> que parece exceder o padecimento à razão e o<br />

desespera<strong>do</strong> aos motivos. Tendes por novi<strong>da</strong>de faltar a firmeza em Amatilde?<br />

Efeito é esse no mun<strong>do</strong> mui vulgar. Lá disse Aristóteles 419 que geralmente<br />

eram as mulheres menos constantes que os homens. Propércio 420 escreve que<br />

é a firmeza na mulher de bem pouca perseverança. Não se escreve de Erifile<br />

que por um colar de ouro que lhe deu Adrasto, rei de Argos, entregou a<br />

Amphiarão, seu mari<strong>do</strong>, com ser dele pela fermosura tão ama<strong>da</strong>? Cláudio,<br />

empera<strong>do</strong>r, não man<strong>do</strong>u matar nos jardins lucinianos a Messalina, sua esposa,<br />

pelo haver ofendi<strong>do</strong>? O mesmo fez o empera<strong>do</strong>r Cómo<strong>do</strong> com Crispina, sua<br />

esposa, pela mesma causa. E o cônsul Lépi<strong>do</strong>, fugitivo em Sardenha, morreu<br />

de sentimento, <strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se-lhe novas que sua esposa, que em Roma deixara, o<br />

havia ofendi<strong>do</strong>, poden<strong>do</strong> com ela mais a distância em que ficava que os<br />

respeito que à leal<strong>da</strong>de devia.<br />

Pois se de tantos exemplos estão cheios os livros, de que vos admirais<br />

que Amatilde sem ser ain<strong>da</strong> vossa esposa se casasse? Que importava o ilustre<br />

<strong>do</strong> sangue de seus progenitores, se <strong>do</strong>minou nela mais o tosco <strong>da</strong> criação?<br />

Porventura que se menos a amasseis, em mais vos estimara; que há finezas<br />

que ofendem e esquivanças que obrigam. A muita estimação que fizestes de<br />

Matilde sen<strong>do</strong> pastora, lhe <strong>da</strong>ria motivos para vos deixar quan<strong>do</strong> se imaginou<br />

marquesa. Dizeis que a tínheis com serviços e finezas obriga<strong>da</strong>. Não há cousa<br />

mais fácil de esquecer-se que os benefícios recebi<strong>do</strong>s; assim o disse<br />

Aristóteles, referi<strong>do</strong> por Diógenes 421 , que a cousa que primeiro envelhecia era o<br />

benefício que se recebe: razão que não corre parelhas no agravo, porque a<br />

memória deste sempre pela maior parte vive e a razão pode ser além <strong>da</strong> geral<br />

de ficar nossa natureza desde a primeira culpa, tíbia para o bem e pronta para<br />

o mal, que o favor escreveu sobre a necessi<strong>da</strong>de ou humil<strong>da</strong>de, perigo ou<br />

desamparo, e como este cessou, facilmente se vai apagan<strong>do</strong> o que nele estava<br />

9 Arist., DeAnim. 8.<br />

'° Prop., Lib. 2.<br />

!1 Diog., Lib. 5.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!