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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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214 Padre Mateus Ribeiro<br />

falava, os castigou de mo<strong>do</strong>, moven<strong>do</strong> furiosamente as areias <strong>da</strong>quele<br />

espantoso deserto, quan<strong>do</strong> em meio delas o exército estava mais<br />

reconcentra<strong>do</strong>, que de tão copiosas esquadras não escapou algum que não<br />

ficasse submergi<strong>do</strong> e sepulta<strong>do</strong> neste golfo de areias, perden<strong>do</strong><br />

miseravelmente as vi<strong>da</strong>s.<br />

- Não é muito (respondeu o Ermitão) usar o demónio de semelhantes<br />

rigores para sustentar o engano <strong>do</strong>s poderes que os idólatras lhe atribuíram;<br />

porém este bosque está na protecção <strong>do</strong> S. Arcanjo e como tal a devoção <strong>do</strong>s<br />

fiéis o respeita e não ofende.<br />

Assim pratican<strong>do</strong> foram decen<strong>do</strong> o monte e consideran<strong>do</strong> as várias<br />

povoações que nele havia, como S. Arignano, S. Alicandro, Precinna, em que<br />

está um sumptuoso paço edifica<strong>do</strong> por Frederico II. Também se via Torre<br />

Maior, castelo e povoação vizinha quatro milhas ao rio Fortoro, e outros muitos,<br />

além <strong>do</strong>s vestígios e ruínas de outros que já foram, a quem o tempo como<br />

homici<strong>da</strong> universal de to<strong>da</strong>s as cousas desfez e acabou. Discursan<strong>do</strong> sobre<br />

várias matérias que a vista ocasionava iam entreten<strong>do</strong> a moléstia <strong>do</strong> caminho,<br />

quan<strong>do</strong> o sol com seus raios ia decen<strong>do</strong> deste trono de safiras <strong>do</strong> hemisférico a<br />

que coroa<strong>do</strong> de seus próprios raios subira; e entre outras práticas que se<br />

ofereceram, tratan<strong>do</strong> o Ermitão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> solitária que nos campos se passa, o<br />

Peregrino, toman<strong>do</strong> a mão a louvá-la, disse assim:<br />

- Com quanta razão, senhor, se podem chamar felices uma e muitas<br />

vezes aqueles que isentos <strong>do</strong>s tumultos <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des, <strong>da</strong> confusão <strong>da</strong>s cortes,<br />

nesta aprazível solidão passam a vi<strong>da</strong>, aonde nem pertensões os inquietam,<br />

nem cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s os ofendem? Não se teme a falsi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> amigo, nem a<br />

murmuração <strong>do</strong> contrário aonde nem a ousadia os arrisca, nem o temor os<br />

perturba; as aves os saú<strong>da</strong>m e com seu canto alegram, as flores os recreiam,<br />

as selvas os abrigam, os bosques os hospe<strong>da</strong>m. Oh! quanto fora melhor a<br />

tantos nunca conhecerem as ci<strong>da</strong>des para seu <strong>da</strong>no e viverem sempre nos<br />

campos para seu proveito, aonde por ventura nem sentiriam a desleal<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

esposa, a ingratidão <strong>do</strong> obriga<strong>do</strong>, a calúnia <strong>do</strong> invejoso, o agravo <strong>do</strong> poderoso,<br />

o desprezo <strong>do</strong> vali<strong>do</strong>! To<strong>da</strong>s as ânsias se acrecentam à vista de quem foi<br />

testemunha de suas ofensas; to<strong>do</strong>s os sentimentos se aliviam quan<strong>do</strong> faltam<br />

os que assistiram à vista <strong>do</strong>s agravos. Aqui as árvores se com o vento falam,<br />

se os arroios com sua corrente murmuram, nem falam para ofenderem, nem

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