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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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726 Padre Mateus Ribeiro<br />

Vinham já a este tempo batalhan<strong>do</strong> contra o escuro rigor <strong>da</strong>s trevas os<br />

resplan<strong>do</strong>res <strong>da</strong> lua, com que começou algum a aclarar-se o vale, e o feri<strong>do</strong><br />

mancebo, mais alenta<strong>do</strong> com a vizinhança <strong>da</strong> luz, pon<strong>do</strong> os olhos em os<br />

nossos romeiros, lhes disse:<br />

- Pague-vos Deus, cari<strong>do</strong>sos senhores, este tão pie<strong>do</strong>so socorro que<br />

me destes em ocasião tão aperta<strong>da</strong>, quan<strong>do</strong> me vejo tão aflito que as <strong>do</strong>res de<br />

minhas feri<strong>da</strong>s, com serem grandes, são um átomo se se comparam com as de<br />

minha alma e com as mágoas e sentimentos de meu coração. É deste o<br />

desafogo seu único alívio e neste considero seu maior tormento; pois o repetir<br />

mágoas é <strong>do</strong>brá-las pela repetição e o sofrê-las sem publicá-las é fazê-las<br />

intoleráveis pelo intenso <strong>da</strong> <strong>do</strong>r. Manifestar a <strong>do</strong>r é reparti-la com quem a ouve<br />

enterneci<strong>do</strong>; e o não publicá-la é descrédito <strong>do</strong> sofrimento de quem a padece,<br />

parecen<strong>do</strong> ser menos o animoso <strong>do</strong> valor <strong>do</strong> que a graveza <strong>do</strong> <strong>da</strong>no. E assim<br />

não sei qual destes extremos escolha, se o silêncio para não magoar-vos,<br />

conhecen<strong>do</strong>-me tão obriga<strong>do</strong>, se o declarar meu sentimento, por que não me<br />

julgueis por mal sofri<strong>do</strong>.<br />

Assim falou o feri<strong>do</strong> mancebo, e compadeci<strong>do</strong>s os romeiros de seu<br />

grande sentimento e juntamente desejosos de saberem a causa <strong>da</strong> pena que<br />

tanto exagerava, lhe pediram muito que enquanto se avizinhava o dia, se a<br />

fraqueza lho permitia, lhes desse notícia de seus pesares, pois talvez quan<strong>do</strong><br />

fosse incapaz seu sentimento de remédio, porventura que o não seria de alívio.<br />

E ele, queren<strong>do</strong> satisfazer a seus rogos, disse assim:<br />

- Tive por pátria a ilustre vila de Campobasso, situa<strong>da</strong> na planície que<br />

formam os vales entre os levanta<strong>do</strong>s outeiros <strong>do</strong> monte Apenino, e não muito<br />

distante <strong>da</strong> cau<strong>da</strong>losa corrente <strong>do</strong> rio Tortoro, que vizinho deste sítio em que<br />

estamos, saltean<strong>do</strong> aos arroios (a) que encontra o cabe<strong>da</strong>l <strong>da</strong>s águas que<br />

levam, a tiros de cristal inculpável ban<strong>do</strong>leiro os despoja delas. É esta vila,<br />

minha pátria, título de con<strong>da</strong><strong>do</strong> e de quem tem saí<strong>do</strong> insignes sujeitos, assim<br />

nas armas como nas letras. Nesta nasci de nobres e ricos pais e me puseram<br />

por nome Aureliano; fui filho único, falecen<strong>do</strong> meu pai <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> presente quan<strong>do</strong><br />

eu tinha de i<strong>da</strong>de nove anos. Fiquei na tutoria e cui<strong>da</strong><strong>do</strong> de minha mãe viúva,<br />

sen<strong>do</strong> o desvelo de seu amor e o báculo de suas esperanças. Estudei com<br />

(a) Sem qualquer alteração de senti<strong>do</strong>, a edição de 1734 regista <strong>ribeiro</strong>s no lugar de arroios.

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