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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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528 Padre Mateus Ribeiro<br />

- Não me é possível, Constantino, o ter-vos mais nesta casa, porque o<br />

não permite nem meu crédito, nem a segurança de vossa vi<strong>da</strong>. O primo <strong>do</strong><br />

duque está desconfia<strong>do</strong> pelos juízos de quem o cura, com os fluxos de sangue<br />

repeti<strong>do</strong>s, sem serem eficazes to<strong>do</strong>s os remédios que se lhe aplicaram para<br />

pararem sua corrente. O cria<strong>do</strong> <strong>da</strong>s feri<strong>da</strong>s é faleci<strong>do</strong>. O duque com notáveis<br />

diligências vos busca; esta casa com o feri<strong>do</strong> an<strong>da</strong> to<strong>da</strong> inquieta e eu não<br />

posso entre tantas assistências ocultar-vos como quisera. Não responder a<br />

vossos escritos não foi por desestimar o que merece vossa pessoa, mas por<br />

não ser meu intento mu<strong>da</strong>r de esta<strong>do</strong> sem o consentimento de meus pais; e<br />

como sois filho segun<strong>do</strong>, se fôreis o primeiro em tu<strong>do</strong> o seríeis para mim. Os<br />

pais sempre procuram os aumentos de seus filhos; e assim põem os olhos no<br />

que mais avulta, não no que mais merece. A noite é escura e acomo<strong>da</strong><strong>da</strong> para<br />

a fugi<strong>da</strong>, tratai de pôr-vos em seguro, que levarei grande gosto, pois fui a<br />

primeira que vos defendi de saber que não houve quem vos ofendesse. Bem<br />

sei que estareis desprovi<strong>do</strong> de dinheiro, porque os <strong>caso</strong>s repentinos não<br />

admitem prevenção; nesta bolsa levais com que possais valer-vos, e avisai-me<br />

como estiverdes livre de sobressaltos, que terei alegria grande quan<strong>do</strong> enten<strong>da</strong><br />

que estais alivia<strong>do</strong> <strong>da</strong> aflição em que vos considero.<br />

Dizen<strong>do</strong> isto, me deu uma bolsa brosla<strong>da</strong> de fio de ouro com quanti<strong>da</strong>de<br />

de escu<strong>do</strong>s que nela vinham; que eu receben<strong>do</strong> de sua mão, com a devi<strong>da</strong><br />

cortesia, lhe respondi:<br />

- Temo já tão pouco hoje os ameaços de minha vi<strong>da</strong> que o resguar<strong>da</strong>r-<br />

me <strong>do</strong>s assaltos de quem me busca será mais, discreta Jacinta, por <strong>da</strong>r-vos<br />

esse gosto que por interesse meu. O vir servir ao duque não foi por me faltar<br />

em Ravena, minha pátria, nem a fi<strong>da</strong>lguia de meu nascimento, nem a riqueza<br />

conveniente à minha quali<strong>da</strong>de; mas paga-me os desvelos com que o servi<br />

com os excessos <strong>do</strong> rigor com que me trata. A feri<strong>da</strong> de seu primo bem pode<br />

não ser mortal, mas a que em meu peito causou vossa vista carece de<br />

remédio, porque as que tocam ao coração sempre foram mortais a quem as<br />

recebe. Depois de tantos cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s, desvelos tão repeti<strong>do</strong>s, me rejeitais por ser<br />

filho segun<strong>do</strong>. Pouco me valeu ser em amar-vos o primeiro; mas interesses e<br />

amor nunca moraram juntos. Dais-me esmola como a pobre <strong>da</strong> ventura, e<br />

como tal a recebo, pois nem tive fortuna na privança, nem ventura nas finezas.<br />

De que algum dia pagarei essa dívi<strong>da</strong>, fique por fia<strong>do</strong>r este diamante que

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