17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

838 Padre Mateus Ribeiro<br />

condiz com a beleza, nem o garbo com o montanhês, porque parece nela<br />

violenta<strong>do</strong> o tosco de que se traja e o <strong>do</strong>naire de que se veste natural. Tem<br />

tantas aparências de senhora e tantos disfarces de aldeã que duvi<strong>do</strong>sa a vista<br />

neste anima<strong>do</strong> enigma <strong>da</strong> beleza erra quan<strong>do</strong> quer conhecê-la e acerta quan<strong>do</strong><br />

presume ignorá-la. Representa o montanhês e encobre o afi<strong>da</strong>lga<strong>do</strong>: e o tosco<br />

e o cortesão estan<strong>do</strong> nela tão uni<strong>do</strong>s, vivem de to<strong>do</strong> separa<strong>do</strong>s. Parece que<br />

guar<strong>do</strong>u respeitos o sol a sua candidez, pois nunca se atreveu a ofendê-la, que<br />

como tem simpatia com seus raios, sempre foi privilegia<strong>da</strong> quem deles nunca<br />

se temeu ser ofendi<strong>da</strong>. Veio Jacinta a Sarafina guia<strong>da</strong> de sua fortuna, pois<br />

sobrava o ser tão bela para não ser venturosa, veio, digo, a <strong>da</strong>r inveja às<br />

pastoras, aos lavra<strong>do</strong>res cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s e aos cortesãos desvelos: grandes atributos<br />

<strong>da</strong> fermosura, ocupar no mesmo tempo tantos juízos que a admirem e tantas<br />

vontades que a amem. Nunca se vê alegre e muitas vezes chorosa: singular<br />

privilégio <strong>da</strong> beleza, nem a tristeza lhe roubar a admiração, nem as lágrimas<br />

lhe embargarem os triunfos.<br />

Raras vezes deixa ver-se, não sei se por homizia<strong>da</strong> <strong>do</strong>s que mata, se<br />

por não compadecer-se <strong>do</strong>s que morrem; regateiam seus olhos suas luzes,<br />

sen<strong>do</strong> para pastora excessivo o recato e para cortesã muita clausura. Não diz<br />

de que pátria é, ou por grande ou por pequena; sen<strong>do</strong> assi que o declará-la, se<br />

pequena, a fazia grande e, se grande, com tal filha ficava sen<strong>do</strong> maior. Sobre a<br />

pátria <strong>do</strong> poeta Homero sete ci<strong>da</strong>des de Grécia contenderam sobre qual por<br />

filho o tinha, e sobre Jacinta pode contender to<strong>da</strong> Itália sobre qual por filha a<br />

tem. Dizem que desembarcou de uma barca passageira nas areias <strong>do</strong>ura<strong>da</strong>s,<br />

aonde o Adriático mar quebra o empola<strong>do</strong> furor de suas on<strong>da</strong>s; e se fingiram<br />

que Vénus nasceu de escuma, que muito que Jacinta saia <strong>do</strong> mar? Porque<br />

nem Vénus foi mais bela na pintura <strong>do</strong> que Jacinta o fica sen<strong>do</strong> na ver<strong>da</strong>de.<br />

Cobria com um véu azul o belo rosto; mas que importava encobrir-se a<br />

fermosura, quan<strong>do</strong> o sol entre nuvens fere mais e o azul entre luzes cobre<br />

menos?<br />

Dizem que caminhou solitária até Sarafina ao tempo que ia recolhen<strong>do</strong> o<br />

sol seus resplan<strong>do</strong>res, conhecen<strong>do</strong> que aonde estavam os olhos de Jacinta,<br />

ficavam sen<strong>do</strong> desperdícios ao dia os maiores calibres de seus raios. Saiu a<br />

lua por vê-la, que sempre a novi<strong>da</strong>de traz por companheiro ao alvoroço;<br />

novi<strong>da</strong>de, digo, de ver ensaian<strong>do</strong> a representação <strong>da</strong> pastora forasteira quem

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!