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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte VI 1037<br />

ela soubesse estimar-vos como esposo, vós não havíeis de satisfazer-vos<br />

como cioso. Que talvez a presunção <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> se mostra ingrata e<br />

desconheci<strong>da</strong> às finezas presentes, sen<strong>do</strong> tormento grande para quem bem<br />

procede o não ser cri<strong>da</strong> sua inocência por lembrarem seus passa<strong>do</strong>s<br />

descui<strong>do</strong>s. E pois este remédio não é poderoso a desterrar vossas<br />

desconfianças, nem a serenar vossos temores, o segun<strong>do</strong> remédio é que<br />

meten<strong>do</strong> em meio de vossos desgostos a ingratidão de Doroteia e o mudável<br />

de sua condição, metais juntamente terra em meio, que é o segun<strong>do</strong> remédio<br />

vagaroso, vin<strong>do</strong> estar comigo em Cesena o tempo que quiserdes, e<br />

experimentareis como a ausência é poderosa para curar os achaques que na<br />

memória tendes tão presentes. É uma ausência poderoso remédio para riscar<br />

<strong>da</strong> memória as mágoas que causa a vista. Costuma o mun<strong>do</strong> dizer: olhos que<br />

não vem, coração que não sente; porque o que não se vê, não magoa.<br />

Enquanto assistis em Imola, é certo que os olhos hão-de ver e a memória ha­<br />

de lembrar e o coração há-de sentir. A vista há-de encontrar com vosso<br />

opositor, a memória há-de repetir o agravo e o coração há-de sentir o golpe e<br />

juntamente a <strong>do</strong>r. Daqui veio a dizer Homero 1128 que ca<strong>da</strong> qual era o artífice de<br />

sua própria pena e de sua <strong>do</strong>r. Porém estan<strong>do</strong> ausente, diverte-se a vista com<br />

a varie<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s horizontes, diversos campos, diferentes sujeitos, e vem a obrar<br />

o costume de não ver aos ofensores o refúgio de as penas não sentir.<br />

Com a ausência talvez periga a recor<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> benefício recebi<strong>do</strong>,<br />

descui<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se o agradecimento por ser a ausência eclipse <strong>da</strong> lembrança, e<br />

com a própria ausência se suspende o gravame <strong>da</strong> ingratidão e o memorial<br />

oneroso <strong>da</strong> ofensa, porque tão idónea é a memória para se nela imprimirem as<br />

dívi<strong>da</strong>s de obriga<strong>da</strong> como os gravames de ofendi<strong>da</strong>; e se a distância é<br />

poderosa para pôr a risco a remuneração <strong>do</strong> bem, como não terá o vigor para<br />

apagar as recor<strong>da</strong>ções odiosas <strong>do</strong> mal? É ver<strong>da</strong>de que diz Cícero 1129 que mais<br />

facilmente se escreve na memória o sentimento <strong>do</strong> agravo <strong>do</strong> que a lembrança<br />

<strong>do</strong> benefício; porém isso se entende não mu<strong>da</strong>n<strong>do</strong> de lugar, porque com uma<br />

mu<strong>da</strong>nça tu<strong>do</strong> se mu<strong>da</strong>. Com a repetição se conserva a memória, pois sem o<br />

Horn., Odyss. lib. 11.<br />

Cicer., 2. De fini.

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