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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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526 Padre Mateus Ribeiro<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, abrin<strong>do</strong> as portas à morte as balas <strong>da</strong> pistola que entre o escuro <strong>da</strong><br />

noite o acertaram. Chamaram-se o confessor e os cirurgiões juntamente, e<br />

estes aplicaram vários remédios; mas com desconfianças <strong>do</strong>s remédios, que<br />

quan<strong>do</strong> nos próprios remédios vem a faltar a confiança, não se admite mais<br />

apelação que para o Céu, que é só o ver<strong>da</strong>deiro remédio. Deu-se logo conta ao<br />

duque, que por extremo se mostrou senti<strong>do</strong>; man<strong>do</strong>u-me chamar, e não me<br />

achan<strong>do</strong>, começaram a indiciar motivos de minha ausência poder eu ser o<br />

agressor deste <strong>da</strong>no; tomou-se a confissão ao cria<strong>do</strong> que escapa<strong>do</strong> tinha, e<br />

culpou-me. E ofendi<strong>do</strong> o duque contra mim, sem lhe constar <strong>da</strong> causa,<br />

ajuntan<strong>do</strong>-se aos émulos de meu valimento a acrescentarem sua paixão com<br />

suas calúnias, exasperaram de mo<strong>do</strong> o ânimo <strong>do</strong> príncipe que man<strong>do</strong>u publicar<br />

um édito em que a quem me entregasse <strong>da</strong>riam grandes prémios e ameaços<br />

de iguais castigos a quem me encobrisse.<br />

Arrisca<strong>da</strong> cousa é a privança <strong>do</strong>s príncipes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e sua condição<br />

perigosa, pois qualquer desgosto é bastante para se esquecerem de grandes<br />

serviços que tenham recebi<strong>do</strong>. Pode um dia de paixão riscar <strong>da</strong> memória<br />

muitos anos de finezas com que um vali<strong>do</strong> em servi-los se desvela. Quem vive<br />

na privança é respeita<strong>do</strong> de to<strong>do</strong>s, mas de nenhum ama<strong>do</strong>; tem muitos<br />

obriga<strong>do</strong>s e nenhum amigo; que pode mais a inveja que o agradecimento, e <strong>do</strong><br />

próprio valimento, sen<strong>do</strong> a muitos útil, fazem to<strong>do</strong>s agravo. É a privança a<br />

causa mais corteja<strong>da</strong> e a mais nociva, <strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se to<strong>do</strong>s por ofendi<strong>do</strong>s, para<br />

nenhum se confessar obriga<strong>do</strong>. É o favor <strong>da</strong> vontade fonte perene <strong>da</strong> inveja,<br />

que com mais violência corre quan<strong>do</strong> o valimento faz estanque <strong>do</strong> poder, e não<br />

basta que a muitos aproveite, se para to<strong>do</strong>s igualmente não corre. O que não é<br />

possível, sen<strong>do</strong> os desejos tantos e os cabe<strong>da</strong>is limita<strong>do</strong>s. Escolhe um príncipe<br />

a um vali<strong>do</strong> por companheiro para que lhe ajude a sustentar o peso <strong>do</strong> governo<br />

e monarquia, como de Atlante fingiram os poetas que escolhera a Hércules<br />

para que lhe aju<strong>da</strong>sse a sustentar a esfera celeste; e não quer o mun<strong>do</strong> que o<br />

peso <strong>do</strong> governo se sustente em outros ombros que os <strong>do</strong> príncipe, e antes<br />

querem que fique <strong>da</strong> carga oprimi<strong>do</strong> <strong>do</strong> que verem que é <strong>do</strong> vali<strong>do</strong> alivia<strong>do</strong>; e<br />

assim lhe desejam a ruína, como se em aliviar ao príncipe se lhes fizera a eles<br />

a maior ofensa. Valimento que descaiu <strong>da</strong> grandeza, ninguém acha que lhe dê<br />

a mão para que se levante: que como se despenhou <strong>do</strong> mais alto, como pedra<br />

de corisco não pára senão muitas braças soterra<strong>da</strong> na terra. São os montes

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