17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

192 Padre Mateus Ribeiro<br />

delito, como já tivesse notícia <strong>da</strong>s pretensões de Frederico para com Lisar<strong>da</strong>,<br />

fez que ela e sua mãe viessem presas a Madrid com boa guar<strong>da</strong>, por ser o<br />

<strong>caso</strong> tão grave e de pessoa poderosa. Vieram os mortos para serem<br />

sepulta<strong>do</strong>s na corte, aonde o <strong>caso</strong> começou a <strong>da</strong>r matéria à varie<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s<br />

juízos que sobre ele ca<strong>da</strong> um formava; porém então esteve a admiração mais<br />

no auge de seus espantos, quan<strong>do</strong> tiran<strong>do</strong>-se a devassa me acharam culpa<strong>do</strong><br />

por homici<strong>da</strong> nela, atribuin<strong>do</strong>-se-me uma e outra morte.<br />

Qual me avaliava com Rómulo quan<strong>do</strong> matou a Remo; qual com o tirano<br />

António quan<strong>do</strong> deu a aleivosa morte a seu irmão Geras por ficar só com o<br />

romano império; quem me fazia digno <strong>do</strong> maior castigo; quem me julgava<br />

merece<strong>do</strong>r <strong>da</strong> mais rigorosa pena; finalmente o <strong>caso</strong> parecia tão atroz a quem<br />

os segre<strong>do</strong>s dele não alcançava que por muito que dissessem, tu<strong>do</strong> era pouco.<br />

Tal foi em meu pai a eficácia <strong>da</strong> <strong>do</strong>r e sentimento, ven<strong>do</strong> não somente ao filho<br />

morga<strong>do</strong> e sucessor de seu esta<strong>do</strong> de tal sorte morto, mas juntamente pela<br />

devassa que se continuava entenden<strong>do</strong> haver eu si<strong>do</strong> o fratrici<strong>da</strong>, que cain<strong>do</strong><br />

em cama com um letargo profun<strong>do</strong>, ao rigor de tristezas em breves dias<br />

acabou a vi<strong>da</strong>. An<strong>da</strong>va eu a este tempo, desde a noite <strong>do</strong> sucesso, na própria<br />

vila de Madrid homizia<strong>do</strong>, que as cortes populosas são algumas vezes retiro<br />

seguro a quem sabe acautelar-se, como então fazia, não tanto por recear a<br />

morte, que as ânsias que sentia eram tais que em parte ficaria sen<strong>do</strong> limite de<br />

minhas penas, fim de meus males; mas estava tão vivo em mim o amor de<br />

Lisar<strong>da</strong>, aquela inocente prisioneira que tinha cativa minha liber<strong>da</strong>de, que<br />

desejos de poder remediá-la e as esperanças de ain<strong>da</strong> algum dia ser possível<br />

chegar a merecê-la, serviam de consolação às tristezas que me combatiam.<br />

Esta esperança aliviava meu grande sentimento, que por isso o sábio Bias<br />

chamou à esperança <strong>do</strong>ce, como refere Diógenes, e o poeta Euripides lhe dá o<br />

título de manjar de desterra<strong>do</strong>s.<br />

Neste desejo se entretinha minha tristeza; porém como era chega<strong>do</strong> o<br />

tempo de não me ficar nem esse refúgio, que entre tantas calami<strong>da</strong>des divertia<br />

as estimações em que vivia, sucedeu que Lisar<strong>da</strong> atormenta<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />

imaginações contínuas de se ver em tal esta<strong>do</strong>, morto tão desestra<strong>da</strong>mente<br />

Dom Sancho, que lhe tinha <strong>da</strong><strong>do</strong> palavra de esposo, e por cujo amor ela se<br />

arriscara a tantos perigos, sen<strong>do</strong> verdugo de sua vi<strong>da</strong> a perpétua lembrança de<br />

sua morte, e juntamente ven<strong>do</strong>-se aprisiona<strong>da</strong> sem culpa, infama<strong>da</strong> sem

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!