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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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448 Padre Mateus Ribeiro<br />

Sen<strong>do</strong> Filipe Macedónico, pai <strong>do</strong> grande Alexandre, no sítio que pôs à ci<strong>da</strong>de<br />

de Mo<strong>do</strong>n feri<strong>do</strong> de uma seta em um olho, que o privou dele (per<strong>da</strong> tão<br />

irreparável e tanto para poder sentir-se), temen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s que toman<strong>do</strong> a ci<strong>da</strong>de<br />

executasse em vingança as hostili<strong>da</strong>des maiores, ele nenhuma cruel<strong>da</strong>de<br />

executou; antes se houve com seus mora<strong>do</strong>res com tanta brandura e pie<strong>da</strong>de,<br />

como se deles tal ofensa recebi<strong>do</strong> não tivera. E como o nosso Reginal<strong>do</strong>, se<br />

bem tão afronta<strong>do</strong>, se considerava inocente, tem a ignorância de si tal carta de<br />

seguro nas aflições que ain<strong>da</strong> quan<strong>do</strong> mais combati<strong>da</strong>, então se mostra mais<br />

confia<strong>da</strong>. Lá disse o Quintiliano 439 que o carecer <strong>do</strong>s vícios era triunfar <strong>da</strong>s<br />

calúnias, pois nunca faltava eloquência para se defender a quem feri<strong>da</strong>s <strong>da</strong><br />

consciência não se atrevem a inquietar. Caminhava Reginal<strong>do</strong> preso mas<br />

confia<strong>do</strong>, ressenti<strong>do</strong> e seguro, magoa<strong>do</strong> e sem temor, que para tu<strong>do</strong> tinha<br />

causas, porque se <strong>do</strong> roubo o assegurava a inocência, a ingratidão de Flora<br />

não o isentava <strong>da</strong> <strong>do</strong>r.<br />

Chegaram à quinta já de noite, e não queren<strong>do</strong> o conde de apaixona<strong>do</strong> e<br />

Carlos em parte de compassivo verem ao preso logo na entra<strong>da</strong>, por <strong>da</strong>rem<br />

lugar a discursarem o mo<strong>do</strong> com que haviam de proceder com ele, informa<strong>do</strong>s<br />

de que nem as jóias se lhe acharam, nem ele confessava ter delas notícia, o<br />

man<strong>da</strong>ram fechar em uma casa bem seguro té ao outro dia o conde falar com<br />

ele. Meia-noite seria conforme as guar<strong>da</strong>s <strong>do</strong> norte com seu movimento<br />

mostravam, relógio tão certo que jamais se desgoverna nem o curso de suas<br />

ro<strong>da</strong>s se suspende, quan<strong>do</strong> estan<strong>do</strong> o aflito Reginal<strong>do</strong> tão desperto como sua<br />

pena (que penas <strong>da</strong> alma não sabem <strong>do</strong>rmir, porque jamais se descui<strong>da</strong>m de<br />

atormentar), sentiu que abriam a porta bran<strong>da</strong>mente e viu entrar com uma vela<br />

na mão a Flora sem outra companhia que lhe assistisse, a cuja vista brotan<strong>do</strong><br />

as lágrimas pelos olhos a Reginal<strong>do</strong> sem poder impedi-las, que como é sangue<br />

<strong>da</strong> alma, não era muito que à vista <strong>da</strong> ofensora pelos rasgos de seus olhos<br />

violenta<strong>da</strong>s saíssem, antes de ela falar, lhe disse:<br />

- Ain<strong>da</strong>, cruel Flora, te não dás por satisfeita de teus castigos? Tem<br />

ain<strong>da</strong> tua tirania novos arbítrios de rigor que executar? Não deixes, ingrata,<br />

género algum de tormento, que não quero agradecer-te pie<strong>da</strong>de, porque me<br />

sirvam to<strong>do</strong>s os motivos de culpar-te por cruel. Por amar-te me castigas?<br />

Quintil., Lib. 8.

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