17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte III 397<br />

disse Demóstenes ; porque se podem remunerar-se as obras, sempre fica<br />

endivi<strong>da</strong><strong>do</strong> quem se mostra obriga<strong>do</strong> <strong>do</strong>s desejos.<br />

Assistia Amatilde com minha mãe com grande cui<strong>da</strong><strong>do</strong> a consolá-la,<br />

<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-lhe esperanças de minha vi<strong>da</strong>, porque tanto tinha de fermosa como de<br />

discreta, e um dia assistin<strong>do</strong> à minha cura lhe vi derramar lágrimas em<br />

abundância, usurpa<strong>da</strong>s ao direitos de seu recato, e disse eu entre mim:<br />

- Ó quem pudera conhecer de que fonte nascem esses rebuça<strong>do</strong>s<br />

arroios de cristal, se de amor ou de compaixão! Se obra o enterneci<strong>do</strong>, se o<br />

amoroso? Que como o coração é o mar <strong>do</strong>nde as lágrimas saem, menos<br />

obriga<strong>do</strong> fico a te mostrares pie<strong>do</strong>sa de minhas <strong>do</strong>res que se te conhecera<br />

compadeci<strong>da</strong> de meus desvelos. Menor brecha abriram em meu peito as balas<br />

de teus olhos, mais dificultosas são de curar as feri<strong>da</strong>s de tua vista que as que<br />

recebi de quem não intentava ferir-me; porque as de teus olhos eu as busquei<br />

e as que padeço a mim me buscaram. Se bem conheceras o que me deves,<br />

por ventura mais com razão choravas de ver-me por tua ocasião arrisca<strong>do</strong> ou<br />

de ver-me em tua casa feri<strong>do</strong>, porque no primeiro tu eras a deve<strong>do</strong>ra e no<br />

segun<strong>do</strong> a ventura desumana. Que caro comprei o ver-te tão de perto, pois se<br />

desafiam minhas alegrias com meus pesares, sen<strong>do</strong> teus olhos equívocas<br />

respostas com suas lágrimas às perguntas de meu desejo, para que nem<br />

receba em minhas penas este pequeno alívio de saber se pesa mais em teu<br />

coração o amoroso ou o compassivo, e se deven<strong>do</strong>-me tanto de amor tratas só<br />

de pagar-me em pie<strong>da</strong>de, porque só com querer-me me satisfizeras e com<br />

sentir-me pie<strong>do</strong>sa nunca me pagaras.<br />

Com este solilóquio me queixava <strong>da</strong>s lágrimas de Amatilde, se sobre<br />

quem não tem culpas podem caber queixas; mas como o amor se pinta<br />

menino, tal vez se queixa de mimoso sem estar ofendi<strong>do</strong>. Assistia-me ela com<br />

notável cui<strong>da</strong><strong>do</strong> em companhia de minha mãe as moléstias de minhas <strong>do</strong>res,<br />

que, como bem disse Platão 396 , é um enfermo sempre molesto a si próprio e a<br />

quem dele cura; parecer que seguiu Euripides 397 e mostra a experiência;<br />

porque o intolerável <strong>da</strong>s <strong>do</strong>res e o perigoso <strong>da</strong>s feri<strong>da</strong>s mal deixa mostrar-se<br />

Demost., Advers. Arist.<br />

Plato, De tranquil, anim.<br />

Eurip., in Orest.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!