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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte VI 1067<br />

Com esta resolução se ausentou <strong>da</strong> janela, que a cria<strong>da</strong> fechou, e eu<br />

fiquei como às escuras, a quem entre as trevas <strong>da</strong> noite de repente a luz se<br />

apaga. Foi minha ânsia tão excessiva e a pena tão intensa que sentiu meu<br />

coração de magoa<strong>do</strong>, que nem para falar teve alentos a voz, sain<strong>do</strong> pelos<br />

olhos lágrimas violenta<strong>da</strong>s de magoa<strong>do</strong>. Assentei-me junto à fonte,<br />

acompanhan<strong>do</strong> seus fugitivos cristais com meus permanentes pesares, a voz<br />

para falar emudeci<strong>da</strong>, a pena para a sentir intolerável, sen<strong>do</strong> delas<br />

testemunhas só as plantas que me viam e as estrelas que <strong>do</strong> céu com<br />

cintilantes resplan<strong>do</strong>res me acompanhavam. Levantei-me a passear pelo<br />

jardim, por ver se podia <strong>da</strong>r algum desafogo à <strong>do</strong>r ou algum desvio à pena, por<br />

não esperar a pé que<strong>do</strong> to<strong>da</strong> a esquadra de meus pesares, e <strong>da</strong>í a um espaço<br />

subi acima, aonde meus amigos desvela<strong>do</strong>s me esperavam, que de minha<br />

tristeza arguiram logo em me ven<strong>do</strong> o vivo de meu sentimento, aos quais eu<br />

referi quanto sucedi<strong>do</strong> me havia, de que se mostraram não menos pesarosos<br />

que admira<strong>do</strong>s, consultan<strong>do</strong> que de manhã nos partíssemos para Cesena, no<br />

que eu concordei; e para em parte desafogar a paixão que me oprimia,<br />

toman<strong>do</strong> a pena lhe escrevi esta carta, que por última despedi<strong>da</strong> deixei à<br />

cria<strong>da</strong> que a carta lhe desse:<br />

Ingratíssima Fenisa, por despedi<strong>da</strong>, para jamais tornar a ver-te, nem<br />

a ouvir-te, cui<strong>da</strong>n<strong>do</strong> que a tua casa fosse para mim refúgio, me serviu de<br />

fúnebre teatro <strong>da</strong> morte. Para que, quan<strong>do</strong> quis ausentar-me de Bolonha,<br />

me impediste a jorna<strong>da</strong>? Deixaras-me, cruel, partir-me de tua vista,<br />

quan<strong>do</strong> em Bolonha tantos amigos deixava e não quan<strong>do</strong> por cousas tuas<br />

tantos juntos inimigos tenho. Se havias de desenganar-me tão tarde, por<br />

que não me desenganavas mais ce<strong>do</strong>? Quan<strong>do</strong> livrei a Carlos, teu irmão,<br />

<strong>da</strong> morte, trazen<strong>do</strong>-o como em meus braços de tão larga distância a tua<br />

casa, rompen<strong>do</strong> por mil perigos por livrá-lo de to<strong>do</strong>s, então te mostraste<br />

obriga<strong>da</strong>, então deste indícios de agradeci<strong>da</strong>, então aprovavas o retiro de<br />

Cesena; quan<strong>do</strong> vias tão próximo o perigo, o risco tão vizinho e o <strong>da</strong>no<br />

tão sem reparo, julgavas minha pátria por ci<strong>da</strong>de oportuna para teu<br />

refúgio; e agora que de porto seguro consideras minha tormenta no mais<br />

arrisca<strong>do</strong> <strong>da</strong> fortuna, fazes <strong>do</strong>s lustrosos edifícios de Cesena ludíbrio <strong>da</strong><br />

estimação para em sua grandeza poder receber-te e hospe<strong>da</strong>r-te?

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