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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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764 Padre Mateus Ribeiro<br />

que a consolação que pode ter a temeri<strong>da</strong>de é a ventura, se propícia ao arrojo<br />

favorece. Nos <strong>caso</strong>s desespera<strong>do</strong>s de remédio, alguma vez se originam<br />

alentos <strong>da</strong> própria desconfiança, como a candeia que nas intercadências <strong>do</strong><br />

espirar cobra forças para <strong>da</strong>r luz <strong>do</strong>s próprios desmaios com que se vai<br />

terminan<strong>do</strong> a vi<strong>da</strong> no luzir. Via-me conduzi<strong>do</strong> ao último quartel <strong>do</strong> sofrimento,<br />

intolerável a <strong>do</strong>r, implacável a pena, derrota<strong>da</strong> a esperança, combati<strong>do</strong> o<br />

coração <strong>do</strong>s ciúmes, ven<strong>do</strong> que Silvério por mais feliz, não por maiores<br />

méritos, havia de ser esposo <strong>do</strong> que mais amo, venturoso possui<strong>do</strong>r <strong>do</strong> que<br />

mais estimo; e assi frenético <strong>do</strong> desprezo, intentei com sua morte cortar-lhe o<br />

fio à ventura. Esta o favoreceu em o não encontrar; porque mal pudera evitar<br />

um descui<strong>da</strong><strong>do</strong> a vingança de um invejoso preveni<strong>do</strong>.<br />

Rodean<strong>do</strong> algumas vezes as casas de Florisela, por ver se como a<br />

centro de sua ventura viria Silvério a parar nele, vim a achar a porta <strong>do</strong> jardim<br />

tão mal fecha<strong>da</strong> que me deu suspeita se porventura Silvério estaria dentro; e<br />

como só a ele meu sentimento buscava, com pouca violência que fiz à porta, a<br />

vi aberta ou por descui<strong>do</strong> de quem a fechou a deixar mal segura, ou porque a<br />

fortuna quis nisto favorecer-me. O escuro <strong>da</strong> noite com o denso <strong>da</strong>s árvores me<br />

serviu de rebuço ao atrevimento: dirigi os passos para o quarto que ao jardim<br />

saía e vi à luz de uma vela a maior luz na beleza de Florisela, que vesti<strong>da</strong> com<br />

um livro se divertia, ou fosse espiritual ou entreteni<strong>do</strong>. Atendi se ouvia alguma<br />

voz de quem com ela estivesse, mas tu<strong>do</strong> estava mu<strong>do</strong>. Não há persuasão<br />

mais eloquente, disse Demóstenes 666 , <strong>do</strong> que a oportuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ocasião; desta<br />

disse Vegécio 667 ser mais poderosa nas batalhas que o valor; e assi nesta<br />

pendência <strong>do</strong> amar discursei brevemente comigo, que com roubar a Florisela, a<br />

ela por esposa conseguia e juntamente, impedin<strong>do</strong> o casamento de Silvério, de<br />

sua ventura me vingava. Representou-se-me de passagem o perigo a que me<br />

expunha, mas respondi ao discurso que empresas grandes nunca se<br />

conseguiram sem riscos; e sem reparar em mais, atan<strong>do</strong> um lenço ao rosto<br />

para não ser conheci<strong>do</strong>, dei tão de repente na casa que, apagan<strong>do</strong>-se a luz,<br />

com o susto inopina<strong>do</strong> caiu Florisela desmaia<strong>da</strong>, faltan<strong>do</strong>-lhe a voz para gritar,<br />

porque a equivocação que fez a vi<strong>da</strong> com a morte lhe suspendeu os ecos para<br />

Dem., in Ol.<br />

Vegec, Lib.5.

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