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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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658 Padre Mateus Ribeiro<br />

E se o não forem, com razão posso dizer que ao golpe rigoroso <strong>da</strong> morte<br />

ficaram corta<strong>da</strong>s juntamente minhas esperanças e minhas alegrias, perden<strong>do</strong><br />

neste infortúnio to<strong>do</strong> o cabe<strong>da</strong>l de meu alívio e liber<strong>da</strong>de, não reservan<strong>do</strong> a<br />

fortuna poderes para mais despojar-me, pois rouban<strong>do</strong> a vi<strong>da</strong> a meus pais, me<br />

rouba tu<strong>do</strong>. Esta é, pie<strong>do</strong>sa Zelin<strong>da</strong>, a ocasião que eclipsa minhas alegrias,<br />

não pelo que cativo passo, mas pelo que infelice temo; e assim não me culpes<br />

se me consideras triste, pois sen<strong>do</strong> tal a causa, bem fica desculpan<strong>do</strong> os<br />

efeitos.<br />

Compassiva se mostrou Zelin<strong>da</strong> de ouvir-me, tratan<strong>do</strong> de aliviar-me a<br />

pena com a incerteza <strong>da</strong> causa dela; e continuan<strong>do</strong> a prática, me referiu como<br />

havia alguns anos que tivera uma cativa florentina que seus pais resgataram; a<br />

qual lhe ensinava muita parte <strong>da</strong> língua toscana e outras muitas cousas <strong>do</strong>s<br />

cristãos e de Itália que lhe referiu. Logo me fez várias perguntas sobre meus<br />

pais e pátria e discursos de minha vi<strong>da</strong> e a ocasião de meu cativeiro; de que<br />

lhe noticiei o que me pareceu que ela estimaria ouvir sem ofender-se. E<br />

despedin<strong>do</strong>-me, se mostrou satisfeita, tratan<strong>do</strong>-me <strong>da</strong>li ao diante com mais<br />

afabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> costuma<strong>do</strong>.<br />

Cap. XI.<br />

Dos motivos que Zelin<strong>da</strong> teve para querer ausentar-se de sua casa<br />

Havia em Constantinopla um poderoso turco que havia si<strong>do</strong> baxá ou<br />

governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Cairo, aonde havia adquiri<strong>do</strong> muitas riquezas que possuía, e<br />

chamava-se Hebraim. Tinha este um filho chama<strong>do</strong> Sultão Ali, bem disposto e<br />

valeroso mancebo, experimenta<strong>do</strong> nas armas em várias ocasiões, de que<br />

sempre havia consegui<strong>do</strong> vitórias que lhe granjearam aplausos de mui<br />

valeroso; porém tão feio de rosto e de vista tão melancólico e triste semblante<br />

que com a presença <strong>da</strong> pessoa desluzia a fama <strong>da</strong> estimação, pois nunca foi<br />

agradável o desairoso. Era Sultão Ali bem ajuiza<strong>do</strong> e avalia<strong>do</strong> por discreto.<br />

Porém com a desairosa presença tu<strong>do</strong> fazia pouco estimável para que nem<br />

pela riqueza, nem pelo valor e discrição fosse para esposo pretendi<strong>do</strong>. Este<br />

Sultão teve traça para poder ver a Zelin<strong>da</strong>, sem ela entender que era dele vista.<br />

Tu<strong>do</strong> facilita o amor e o poder. E ficou tão amante de sua vista, parecen<strong>do</strong>-lhe

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