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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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620 Padre Mateus Ribeiro<br />

desafogo pelos olhos, pudera oprimir de to<strong>do</strong> os alentos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> o intenso<br />

reconcentra<strong>do</strong> <strong>da</strong> <strong>do</strong>r.<br />

Quis falar mas não pôde. Que quem lhe libertou as lágrimas, não lhe<br />

soltou a voz. Intentou romper o silêncio, mas não lho permitiu o rigoroso <strong>do</strong><br />

desmaio. Restituiu-lhe os senti<strong>do</strong>s, mas não as palavras. Que não costuma o<br />

excesso de uma pena ser tão fácil restitui<strong>do</strong>r <strong>do</strong> que usurpa: tu<strong>do</strong> em um<br />

instante rouba, mas com vagarosos intervalos o restaura. Só com os acenos,<br />

mu<strong>da</strong>s vozes com que declara o desejo o que manifestar não podem as<br />

palavras, me pediu que me não fosse. O que eu concedi. Que pode muito uma<br />

fermosura choran<strong>do</strong> no peito de quem foi queri<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> com estar magoa<strong>do</strong>.<br />

Fazem liga o enterneci<strong>do</strong> com o amoroso e servem as lágrimas de<br />

ressuscitarem <strong>da</strong>s cinzas ofendi<strong>da</strong>s nova chama <strong>do</strong> querer; que tem muito<br />

valimento a vista para intercessora, sen<strong>do</strong> muitas vezes mais poderosos os<br />

senti<strong>do</strong>s para persuadirem que os discursos para acriminarem. Estavam em<br />

mim os desvelos amantes semivivos, e com o enternecimento de ver<br />

desmaia<strong>da</strong> a causa deles, a quasi perdi<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cobraram. Estavam ain<strong>da</strong> no<br />

coração as raízes <strong>do</strong> querer, e suposto que os ramos pareciam secos e<br />

desfolha<strong>do</strong>s pela mu<strong>da</strong>nça, com as lágrimas <strong>da</strong> Aurora reverdeceram; pois que<br />

chega a derramá-las, abona o querer que as obriga; e mais sen<strong>do</strong> o sujeito tão<br />

altivo na estimação, que não chorara de senti<strong>da</strong>, quan<strong>do</strong> a não incitassem<br />

finezas de amorosa.<br />

Levaram-na as cria<strong>da</strong>s em braços ao leito; e eu avisei a meus cria<strong>do</strong>s se<br />

retirassem com o cavalo ao sombrio de uma alame<strong>da</strong> que ao diante se via, e<br />

entretanto entrei em o escritório de Octávio, seu pai, que ricamente guarneci<strong>do</strong><br />

estava com admiráveis quadros de diversas fábulas de Ovídio, tira<strong>da</strong>s <strong>do</strong> livro<br />

de suas Transformações, tanto ao vivo debuxa<strong>da</strong>s que parecia solicitar a<br />

pintura ver<strong>da</strong>de aos mesmos fingimentos em que competia o juízo <strong>do</strong> pintor<br />

com a delicadeza <strong>do</strong> pincel. No custoso <strong>do</strong>s escritórios competia o artifício com<br />

o valor, não deixan<strong>do</strong> facilmente determinar se avultava mais o feitio pelo<br />

admirável, se o material pelo precioso. Bem mostrava o ornato <strong>do</strong> a<strong>do</strong>rno que<br />

não menos em Octávio Lamberias se achava a riqueza <strong>do</strong> que a política.<br />

Passa<strong>da</strong>s seriam mais de três horas desde que o parocismo referi<strong>do</strong> tinha<br />

embarga<strong>do</strong> em Aurora o eloquente <strong>da</strong> voz, quan<strong>do</strong> me chamou a cria<strong>da</strong>,<br />

dizen<strong>do</strong> que sua senhora queria falar-me. Entrei em uma camera em que

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