17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

186 Padre Mateus Ribeiro<br />

pertensão que me fez imaginar se interviria maior causa de permeio para<br />

repulsa tão isenta, ou para manifestar a condição de Lisar<strong>da</strong> comigo tão<br />

soberana e desconheci<strong>da</strong>. E como amor é algoz nas sentinelas e à viveza de<br />

seus olhos não há músicas que a<strong>do</strong>rmeçam para se descui<strong>da</strong>r de velar e<br />

inquirir quem deveras ama, vim a saber em como Frederico, meu irmão mais<br />

velho, era seu amante havia já algum tempo, e dela não mal correspondi<strong>do</strong>,<br />

enfim como morga<strong>do</strong> e que havia de her<strong>da</strong>r o título que meu pai tinha, com que<br />

porventura Lisar<strong>da</strong> mais bem emprega<strong>da</strong> se julgava quan<strong>do</strong> se lhe dedicasse<br />

por esposo; e em mim, como filho segun<strong>do</strong>, menos interessava, assim em não<br />

admitir-me menos perdia.<br />

Senti<strong>do</strong> ouvi o desengano, que desenganos para corações apaixona<strong>do</strong>s,<br />

ain<strong>da</strong> que bem pertendi<strong>do</strong>s, são de ordinário mal aceitos: avaliei por desprezo<br />

o que na reali<strong>da</strong>de não era agravo, pois não estava Lisar<strong>da</strong> obriga<strong>da</strong> a premiar<br />

meus desvelos quan<strong>do</strong> os não admitia, nem galar<strong>do</strong>ar minhas finezas quan<strong>do</strong><br />

as não aprovava; nem meu irmão me ofendia em ser correspondi<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong><br />

tanto antes a meus intentos seu amor antecipa<strong>do</strong>. Agora por meu mal<br />

considero o que então não ponderei apaixona<strong>do</strong>, e hoje sinto e choro sem<br />

remédio o que não discursei inadverti<strong>do</strong>. Bem pudera desengana<strong>do</strong> vencer<br />

meu sentimento com retirar-me outra vez a meus estu<strong>do</strong>s, conhecen<strong>do</strong> que<br />

quem faz emprego em coração afeiçoa<strong>do</strong> não somente lhe é necessário<br />

conquistar a vontade, mas juntamente desapossá-la <strong>do</strong> primeiro amor;<br />

dificul<strong>da</strong>des que nem to<strong>da</strong>s as vezes se facilitam, antes empenhos que mui<br />

dificilmente se alcançam; porém estimula<strong>do</strong> <strong>do</strong> amor e incita<strong>do</strong> <strong>da</strong> inveja de<br />

que houvesse outrem nos olhos de Lisar<strong>da</strong> mais venturoso, me resolvi a<br />

prosseguir a empresa até morrer na conquista. E como meu irmão tivesse já<br />

manifesta notícia de meus intentos, um dia em particular se declarou comigo,<br />

<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-ma de seus amores (como se eu os ignorasse) pedin<strong>do</strong>-me não tratasse<br />

mais de prosseguir tal empenho; porém eu, que já de antes estava resoluto<br />

neste desacerta<strong>do</strong> pensamento, lhe respondi mui livremente o contrário <strong>do</strong> que<br />

ele imaginava, e entre outras palavras lhe disse desta sorte:<br />

- Que importa, Frederico, que Lisar<strong>da</strong> primeiro vos vencesse, se um só<br />

vencimento é limita<strong>do</strong> triunfo para tal fermosura? Não embota a corta<strong>do</strong>ra<br />

espa<strong>da</strong> os fios ao golpe primeiro para que mais não corte, quanto mais as<br />

invencíveis armas de seus olhos para quem são pequeno sacrifício as vi<strong>da</strong>s

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!