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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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938 Padre Mateus Ribeiro<br />

para o reparo, quebra<strong>do</strong> a tão repeti<strong>do</strong>s golpes de ingratidões, já desmaiou o<br />

tolerável com os desalentos <strong>do</strong> desprezo que meu amor padece, mostran<strong>do</strong>-se<br />

tantas vezes obsequioso ao dispor de sua vontade, ao menor aceno de seu<br />

gosto. Ninguém pois se admire se me vir vingativo a tão mal mereci<strong>do</strong>s<br />

desprezos, a tão tirano desdém, a tão injusta esquivança, que para um<br />

desespera<strong>do</strong> nem há mal que atemorize, nem bem que o lisonjeie. Se aos<br />

antípo<strong>da</strong>s, ingrata Fenisa, te mu<strong>da</strong>ras, lá iria buscar-te minha mágoa, lá te<br />

descobriria minha <strong>do</strong>r: já meu ofendi<strong>do</strong> amor se veste <strong>da</strong>s cores <strong>do</strong><br />

pensamento na veloci<strong>da</strong>de para buscar-te, será raio sem trovão, exalação sem<br />

chama, relâmpago sem luz, que me hás-de achar presente sem me veres,<br />

porque ou hás-de ser minha, ou outro não há-de lograr a ventura de seres sua,<br />

quan<strong>do</strong> esquiva desprezas o seres esposa minha.<br />

Assim ressenti<strong>do</strong> e quasi desespera<strong>do</strong> se queixava Raimun<strong>do</strong>, e<br />

retiran<strong>do</strong>-se ao paço passou em cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s to<strong>da</strong> a noite, que mal pode<br />

descansar um coração ansia<strong>do</strong>, queixoso de ingratidões e sau<strong>do</strong>so de<br />

ausências. É a noite odiosa aula para um triste apaixona<strong>do</strong> ou ofendi<strong>do</strong>, em<br />

que o discurso lê postilas de desagravos e lições penosas de vinganças; pois<br />

como o intenso <strong>da</strong> <strong>do</strong>r não permite férias ao divertimento <strong>do</strong> sono, com que a<br />

imaginação faz tréguas com a pena no breve espaço que dura, razão por que<br />

S. Agostinho 942 ao sono chamou esquecimento, descansam os senti<strong>do</strong>s <strong>da</strong><br />

pena e o juízo de vacilar <strong>do</strong>cumentos que pela maior parte em aumentá-la<br />

resultam. Porém era em Raimun<strong>do</strong> tão eficaz a mágoa de ver a Fenisa ausente<br />

e de considerar-se não só aborreci<strong>do</strong>, mas juntamente despreza<strong>do</strong>, que nem o<br />

sono pôde ter entra<strong>da</strong> para diverti-lo, nem a noite lugar para aplacá-lo.<br />

Suspirava de impaciente, gemia de queixoso e porventura talvez chorava<br />

[lágrimas] (a) de magoa<strong>do</strong>, que não encontra ao muito valor que nele se <strong>da</strong>va<br />

romper a pena neste desafogo, como disse Euripides 943 , principalmente<br />

quan<strong>do</strong> não há quem as veja e quan<strong>do</strong> o desagravo é de pessoa incapaz de<br />

vingança. Justamente choran<strong>do</strong> se vingava de seus olhos, pois eles haviam<br />

^ Aug., Super Ps. 4.<br />

(a> Embora não apareça em nenhuma <strong>da</strong>s edições, esta palavra é necessária para identificar o<br />

antecedente <strong>do</strong>s pronomes conti<strong>do</strong>s nas expressões as veja e derramá-las.<br />

943 Eurip., in Troad.

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