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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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440 Padre Mateus Ribeiro<br />

criava para exemplo <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças <strong>da</strong> fortuna e espelho manifesto <strong>da</strong><br />

varie<strong>da</strong>de de nossa vi<strong>da</strong>. Era o pai de Reginal<strong>do</strong> pesca<strong>do</strong>r que com o exercício<br />

de suas redes sustentava a vi<strong>da</strong>; mas Reginal<strong>do</strong> logo desde seu nascimento<br />

saiu tão <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de gentileza, tão enriqueci<strong>do</strong> de brios, tão acompanha<strong>do</strong> de<br />

valor, tão generoso nos empenhos, que não parecia filho de pobre pesca<strong>do</strong>r,<br />

mas de príncipe rico. É a alma capaz de to<strong>da</strong>s as grandezas, e assim não<br />

estão sujeitos seus voos e as bizarrias de suas asas aos pesos e abatimentos<br />

<strong>do</strong> corpo. Lá disse o Séneca 430 que o corpo de muitas cousas necessita, a<br />

alma consigo própria se contenta. Da alma, disse Aristóteles 431 , resulta ao<br />

corpo o viver, o mover e o sentir, e como tem o senhorio de man<strong>da</strong>r e o corpo a<br />

sujeição de obedecer, não é maravilha se os espíritos generosos que <strong>da</strong> alma<br />

nascem não são impedi<strong>do</strong>s <strong>da</strong> humil<strong>da</strong>de e pobreza em que se cria o corpo.<br />

Isto digo, porque nem Reginal<strong>do</strong> se inclinou ao exercício de pesca<strong>do</strong>r, nem<br />

tratava mais que <strong>do</strong> <strong>da</strong>s armas em que saiu mui destro: a presença era por<br />

extremo agradável, a conversação benévola e mui cortês, a condição liberal, o<br />

ânimo generoso e finalmente mostrava no altivo <strong>do</strong>s pensamentos que tinha<br />

muito de bizarro e que em na<strong>da</strong> o obrigava a pobreza <strong>do</strong> nascimento a<br />

acomo<strong>da</strong>r-se a pequeno.<br />

Nestes exercícios em que Reginal<strong>do</strong> procedia, de muitos ama<strong>do</strong> pelo<br />

cortesão e de muitos respeita<strong>do</strong> pelo valente, e não duvi<strong>do</strong> que <strong>do</strong>utros<br />

enveja<strong>do</strong>, porque tantas partes juntas mal podiam fechar as portas à inveja,<br />

sucedeu que an<strong>da</strong>n<strong>do</strong> um dia junto às praias <strong>do</strong> mar em cuja vista se<br />

entretinha, visse o princípio de to<strong>da</strong> sua fortuna, <strong>do</strong>nde tiveram a origem os<br />

vários perío<strong>do</strong>s e discursos de sua vi<strong>da</strong>, nos olhos de uma bizarra caça<strong>do</strong>ra<br />

que ricamente vesti<strong>da</strong> e com um venábulo na mão seguia os passos de um<br />

javali, que respeitan<strong>do</strong> ao belo que o seguia, mais que temen<strong>do</strong> o cruel <strong>do</strong><br />

venábulo que o buscava, punha na fugi<strong>da</strong> o respeitoso e na ligeireza o isentar-<br />

se de parecer ou grosseiro na resistência ou descui<strong>da</strong><strong>do</strong> em não saber guar<strong>da</strong>r<br />

sua própria vi<strong>da</strong>. Embargou-lhe os passos Reginal<strong>do</strong>, e arrancan<strong>do</strong> a espa<strong>da</strong><br />

lhe deu tão venturoso golpe que, jarretan<strong>do</strong>-o aos pés <strong>da</strong> fermosa caça<strong>do</strong>ra,<br />

lhe deu lugar a que ela lhe empregasse o venábulo que trazia que, se lhe<br />

Senec, in Epist.<br />

Arist., De anima.

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