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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte III 461<br />

- Se vos parecer, senhora Anar<strong>da</strong>, novi<strong>da</strong>de minha vin<strong>da</strong> a visitar-vos,<br />

culpai meu sentimento, se este merece culpa, e poreis à parte a admiração:<br />

sou mãe e vejo por vossa causa chega<strong>do</strong> aos horizontes <strong>da</strong> morte a Félis, meu<br />

filho; que bastava ser filho para ser ama<strong>do</strong>, quanto mais sen<strong>do</strong> único,<br />

obrigação era ser com extremos queri<strong>do</strong>. Empenhou-se em amar-vos, discreto<br />

foi em querer-vos; porque é tal vossa fermosura que se gradua de entendi<strong>do</strong><br />

quem se professa amante vosso. Encobriu o querer sem comunicar os<br />

cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s, respeito grande que guar<strong>do</strong>u a vosso decoro, fineza extremosa que<br />

acabou com seu coração não descobrir a pena que sentia, por guar<strong>da</strong>r<br />

obediências a quem amava. Dous anos de cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s, se bem se pesam na<br />

balança <strong>do</strong> sofrimento, são séculos dilata<strong>do</strong>s a quem se deve to<strong>do</strong> o galardão.<br />

Soube que vos casáveis com Lu<strong>do</strong>vico, filho terceiro <strong>do</strong> defunto conde Octávio:<br />

vossos merecimentos vos habilitam para to<strong>da</strong>s as venturas, se podem <strong>da</strong>r-se<br />

venturas que remunerem merecimentos. Mas ai de mim, que o tálamo de<br />

vossas bo<strong>da</strong>s será o sepulcro de meu filho, cain<strong>do</strong> de magoa<strong>do</strong> <strong>do</strong>nde o outro<br />

se gloriar de venturoso! É seu sentimento o verdugo que lhe abrevia a vi<strong>da</strong>,<br />

não haven<strong>do</strong> mais dilação em perdê-la que a que houver em Lu<strong>do</strong>vico de<br />

ganhar-vos. Foi seu querer mais ditoso, não mais antigo: deu-lhe a mão a<br />

ventura para subir mais ligeiro; tar<strong>do</strong>u Félis em chegar porque não temia podê-<br />

lo no amar outro vencer.<br />

Peço-vos, senhora Anar<strong>da</strong>, que deis remédio a esta pena, ou mu<strong>da</strong>n<strong>do</strong><br />

de parecer, pois em serdes esposa de Félis não ficais perden<strong>do</strong>, que é filho<br />

único e Lu<strong>do</strong>vico terceiro, a quem nem reconhece vantagens no ser, nem na<br />

riqueza; ou quan<strong>do</strong> menos suspendei as bo<strong>da</strong>s dilata<strong>do</strong> tempo, pois quan<strong>do</strong><br />

Lu<strong>do</strong>vico se enfade <strong>do</strong>s vagares, sempre tendes a Félis para estimar-vos, pois<br />

tanto tempo soube despender em querer-vos. Restaurareis uma vi<strong>da</strong> que é<br />

tanto vossa, que sem vós não pertende seja sua: que não é prémio justo de um<br />

amor tão fino pagar morren<strong>do</strong> o que viveu aman<strong>do</strong> e acabar de senti<strong>do</strong> quem<br />

an<strong>do</strong>u tão constante.<br />

Assim deu a discreta mãe de Félis fim à sua prática e princípio à<br />

cau<strong>da</strong>losa corrente de suas lágrimas, em que Anar<strong>da</strong>, sem o intentar, de força<br />

a acompanhou, ven<strong>do</strong>-se por prodígio em o dia mais sereno de seus olhos<br />

chover no flori<strong>do</strong> pra<strong>do</strong> de seu rosto; e se com os orvalhos mais brilham as<br />

flores, nova graça mostraram os can<strong>do</strong>res <strong>da</strong>s açucenas e a púrpura <strong>da</strong>s rosas

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