17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

154 Padre Mateus Ribeiro<br />

Alegre em extremo o pensativo ermitão aceitou sua companhia com os<br />

grandes desejos de aclarar suas dúvi<strong>da</strong>s, de sossegar seus desvelos;<br />

caminharam ambos larga jorna<strong>da</strong> aquele dia e já no crepúsculo <strong>da</strong> noite<br />

chegaram à casa de um homem não rico, porém muito virtuoso e caritativo, que<br />

os agasalhou mui urbanamente com o sustento que tinha, e à ceia lhe pôs na<br />

mesa uma taça ou copo de prata para beberem, de debuxo e lavor mui curioso,<br />

que ele muito estimava e em cuja vista se revia.<br />

Porém o anjo subtilmente naquela noite lha furtou sem que ele o<br />

sentisse e a levou consigo. Despediram-se pela manhã <strong>do</strong> hóspede, e<br />

continuan<strong>do</strong> sua jorna<strong>da</strong> o anjo mostrou ao ermitão a taça que furtara, de que o<br />

ermitão muito se escan<strong>da</strong>lizou, estranhan<strong>do</strong>-lhe o desprimor e vilania de roubar<br />

a pren<strong>da</strong> de mais estima que tinha aquele pobre homem que em sua casa com<br />

tanta cari<strong>da</strong>de os hospe<strong>da</strong>ra.<br />

Pouco <strong>caso</strong> fez o anjo <strong>da</strong>s queixas e sentimento <strong>do</strong> companheiro; foram<br />

continuan<strong>do</strong> o seu caminho e se agasalharam a seguinte noite em outra casa<br />

de um homem rico <strong>do</strong>s bens <strong>da</strong> terra, porém mau e perverso, de pouca<br />

cari<strong>da</strong>de, nem cortesia, que sem alguma os recebeu, e pesa<strong>da</strong>mente os<br />

agasalhou com tão pouca urbani<strong>da</strong>de que mais tinham motivo de queixas, que<br />

de agradecimento. Pela manhã, despedin<strong>do</strong>-se o anjo e companheiro dele, lhe<br />

ofereceu o anjo a taça curiosa que ao outro hóspede caritativo furtara; acção<br />

que ao ermitão de novo acrecentou o sentimento em ver que a pren<strong>da</strong> de<br />

estima que a um pobre primoroso e tão cari<strong>do</strong>so furtara, a um rico sem<br />

cari<strong>da</strong>de nem primores dera; tu<strong>do</strong> lhe parecia desacertos e acções alheias de<br />

to<strong>do</strong> bom juízo.<br />

Nestas queixas e debates, de que ao anjo se lhe <strong>da</strong>va pouco, foram<br />

continuamente seu caminho, vin<strong>do</strong> na terceira noite de sua peregrinação<br />

agasalhar-se em casa de um homem afável, benévolo e cari<strong>do</strong>so, que os<br />

hospe<strong>do</strong>u com grande benigni<strong>da</strong>de e largueza; e vin<strong>da</strong> a manhã, despedi<strong>do</strong>s<br />

dele, o anjo lhe despenhou no rio, de uma ponte alta, um cria<strong>do</strong> seu que nela<br />

estava, de quem o hóspede muito fiava, e lho afogou no rio.<br />

Admirou-se o ermitão de tal cruel<strong>da</strong>de, repreenden<strong>do</strong>-lhe o homicídio e<br />

mau galardão que dera a quem com tanta liberali<strong>da</strong>de e amor os tratara; porém<br />

como o anjo de sua admiração e repreensão pouco <strong>caso</strong> fazia, foi continuan<strong>do</strong><br />

sua jorna<strong>da</strong>, e chega<strong>da</strong> a quarta noite dela se hospe<strong>da</strong>ram em casa de um

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!