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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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668 Padre Mateus Ribeiro<br />

com intento de nesse tempo ordenar sua fugi<strong>da</strong> com mais acerto. E porque não<br />

deixasse o último remédio para que Sultão desistisse de pretendê-la por<br />

esposa, sen<strong>do</strong> seu pai um dia fora <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, man<strong>do</strong>u chamar a seu aborreci<strong>do</strong><br />

amante, a quem em companhia só de uma cria<strong>da</strong>, falou desta sorte:<br />

- Mandei chamar-te, Sultão, sem meu pai ter notícia deste meu tão<br />

desusa<strong>do</strong> atrevimento; porque quan<strong>do</strong> as paixões excedem os limites de<br />

sofri<strong>da</strong>s, não será maravilha se passarem os termos de encobertas. Que mina<br />

há tão escondi<strong>da</strong> que ven<strong>do</strong>-se oprimi<strong>da</strong> <strong>do</strong> incêndio, não rebente voraz, se de<br />

antes se continha oculta? Ou quan<strong>do</strong> a <strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> extremosa, fez indiscreto<br />

pun<strong>do</strong>nor de não queixar-se, se é desluzimento <strong>do</strong> excessivo <strong>da</strong> pena<br />

professar silêncio contra o desafogo <strong>da</strong> <strong>do</strong>r? Pretendes-me por esposa em<br />

tempo que vive meu coração empenha<strong>do</strong>, para não poder agradecer tuas<br />

finezas: que há serviços infelices, assim como pode haver agravos venturosos.<br />

E me parece que com desenganar-te me mostro agradeci<strong>da</strong>, pois não me é<br />

possível satisfazer-te amorosa. As mulheres como eu só uma vez se<br />

empenham em amar: mu<strong>da</strong>nças sempre foram desairosas e o diamante pelo<br />

firme tem justamente os aplausos de sua maior estimação. Quem primeiro<br />

mereceu meus cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s será sempre o senhor de meus desvelos. Se até<br />

agora me pretendeste engana<strong>do</strong>, tinhas desculpa em ignorar o que me não era<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong> descobrir; mas de hoje adiante, se no intento prosseguires, nem te<br />

julgarei por entendi<strong>do</strong>, nem te avaliarei por brioso. Porque emprender<br />

impossíveis, sobre parecer delírio, é desluzimento de altivo. Quem confessa<br />

que ama a outro a quem a pretende por mulher, nem tem maior desengano que<br />

lhe <strong>da</strong>r, nem maior risco de que o advertir. E se desapaixona<strong>do</strong> o consideras,<br />

mais me ficas obriga<strong>do</strong> que ofendi<strong>do</strong>; pois ten<strong>do</strong> meus cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s a outro<br />

dedica<strong>do</strong>s, o admitir-te fora enganar-te e declarar-te meu peito é servir-te. Não<br />

há cousa para um desejo mais amarga que um desengano. To<strong>do</strong>s os remédios<br />

salutíferos que aos enfermos se aplicam são desabri<strong>do</strong>s ao gosto: aceita-os a<br />

razão, não a vontade; recebe-os o juízo e não o apetite. Consulta, Sultão, este<br />

meu desengano com teu juízo e acharás que nele te pago quanto por mim tens<br />

feito. E pois não posso pagar teu amor na moe<strong>da</strong> que queres, ao menos te<br />

pago na que pagar-te posso. Serena tuas porfias em procurar-me, nem me dês<br />

com meu pai mais desgostos <strong>do</strong>s que por teu respeito padeci<strong>do</strong> tenho, nem<br />

importunes ao vali<strong>do</strong> para apadrinhar-te. Porque na firmeza de meu amor só é

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